Ontem me deparei com a postagem de um amigo de facebook que, de forma
indignada, questionava: "Você
que jamais agrediria alguém, mesmo assim você vota num cara desses?? Eu não
entendo... juro que não". Eu tenderia a dizer que também não entendo. E
você que está lendo este texto agora, entende? Mas não posso negar que sim,
entendo. Por que o discurso de ódio de Bolsonaro ganhou tanta força? Para além
de todos os motivos históricos, sociais e políticos que explicam essa
necessidade de uma figura totalitária, que "salvará" o Brasil de todo
o mal (amém), de toda a corrupção, de tudo o que é errado (não à toa compra
muitos evangélicos), para além disso há um fato incontestável: o ódio é um
afeto humano. Mas o que isso quer dizer?
Quer dizer que sim,
humanos odeiam, mas que, no processo civilizatório (sempre a funcionar
meia-boca) o "esperado" é que o recalque e toda a parafernália
psíquica (deslocamento, sublimação, fantasia, etc) cumpra minimamente seu papel
e nos permita construir laços com outros seres humanos sem levar ao ato a
pulsão destrutiva/agressiva. O que Lacan chama de imaginário é essa instância
na qual estaríamos presos à destrutividade ao outro, nosso semelhante, como aí
estão presos os outros animais na disputa pela sobrevivência. Ocorre que
aprendemos, via simbólico, que é possível sobreviver apesar do outro e com ele
inclusive. Às vezes pode até ser gostosinho, ainda que o ódio possa se fazer
presente vez ou outra.
Voltemos aos porquês. Toda a parafernália psíquica é para que sejamos,
com sorte, pessoas que lutam contra os impulsos destrutivos, a culpa inclusive,
é civilizatória (uma análise ajuda a lidar com ela). Freud dizia que o perverso
realiza aquilo que o neurótico recalca. Eu não poderia jamais afirmar que
#elenão é perverso, mas seu discurso certamente o é. Quando alguém diz
abertamente que estupraria uma mulher (a não ser que seja demasiado feia), que
mataria veadinhos, que daria acesso legal a armas de fogo (ou seja, permitiria
que matássemos com mais facilidade), que ter filha é fraquejar, e todas as
outras pérolas a que já estamos enojados de ouvir, ele põe em ato aquilo que
bem lá no fundo, secretamente, a maioria de nós já fantasiou. Então por que ele
não leva 100% das intenções de votos? Porque, ainda que em alguma medida já
tenhamos fantasiado inconscientemente qualquer umas dessas coisas, lutamos
contra nossos impulsos mais destrutivos. Uma coisa é ter fantasias sexuais
violentas com outra pessoa, outra bem diferente é ir até ela e estuprá-la. Não
é por isso que os cinquenta milhões de tons de cinzas fazem tanto sucesso?
Glória ao Senhor! Uma coisa é desejar que o outro morra (quem nunca?), outra
bem diferente é matá-lo. Ainda bem que podemos sentir nojo desses discursos,
sinal de que a parafernália funciona muito bem, obrigada. É porque funciona
bem, é porque recalcamos, é porque não sabemos sobre nossa mais profunda
miséria, que podemos nos perguntar com estranheza absurda: como alguém pode
votar nele??
Comprar o discurso do Bolsonaro é dar vazão à nossa miséria, ao nosso
ódio, porque ele legitima a destrutividade, é estar preso ao imaginário em
grandes proporções e consequências. Não comprar e fazer campanha contra é para
dizer que somos além disso que nos destrói e ao outro. Dizer não a ele e a quem
tem a intenção de elegê-lo é gritar que não, não vamos parar de lutar contra o
que faz de nós a pior espécie dentre os outros animais.
P.S.: Ninguém
precisa ser lulista, petista, feminista, "lgbtquista", comunista,
etc., basta continuar querendo ser um humano dentre iguais que respeite as
diferenças.
Maravilhoso!!!
ResponderExcluirParabens falou tudo
ResponderExcluirParabens falou tudo
ResponderExcluirParabens falou tudo
ResponderExcluirSe tivessemos textos sobre falas de outros politicos aqui, outros tantos "loucos", seria um post menos parcial, como o foi.
ResponderExcluirEscreva para nos sobre as falas de Ciro Gomes sobre as mulheres, Lula sobre gays e mulheres, Che Guevara sobre gays, enfim, tantos outros de renome, para nossa apreciação mais ampla das características dos quais nos regem, por vzs eleitos por nos, noutras não. O que importa? Se ao fim e ao cabo nunca estaremos livres de sempre votar no menos pior.
Parabéns, Kazoccoli !! A toda evidência o raciocínio livre de paixões e ideologias não está morto...
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