Perdi
o sono às três e meia. Durante uma hora me debati na cama, tentando dormir de
novo, mas não consegui. A cabeça fervilhando, com nada digno de preocupação. Nas
horas insones é como se a cabeça ficasse grávida de pensamentos. Então,
tecnicamente estou em trabalho de parto.
Tenho
andado às voltas com um significante que me acompanha não só em relação ao
ofício da escrita, mas no da psicanálise também. Não é raro que as pessoas me
digam: “Publicou um livro é? Mas tão novinha!”.
É algo que tem seu lado lisonjeiro, já que passei dos trinta e os cabelos
brancos estão gritando. Mas fiquei pensando nisso, já que ouço frequentemente a
palavra e nunca sei o que dizer diante disso.
Então,
insone, pensei: o que faz de alguém um escritor? São as experiências acumuladas
ao longo dos anos vividos? Tanto melhor será aquele que mais aniversários
comemorou? Um escritor só poderá contar das experiências que vivenciou? Fiz e
refiz as contas, relembrei coisas da minha vida, tirei o mofo das memórias e
pensei: se os escritores escrevessem narrativas sobre suas próprias vidas,
seria um tédio. A vida real é contada no relógio, temos hora para dormir e
acordar, comer e banhar, não podemos sair pelados gritando no meio da rua e
passar ilesos, na vida real. Mas na literatura, podemos tudo. Podemos contar
coisas que não vimos, mas imaginamos. Podemos dizer coisas que ouvimos, que
desejamos.
É
de uma liberdade que não tem nome, que não tem preço. Mas voltemos à questão: o
que faz de alguém um escritor? Penso que tem que haver uma pitada boa de
imaginação, mas não é só isso. Tem que habitar em seus próprios desejos e se
haver com isso. O escritor é alguém cuja casca precisa ser fina para que as
trocas com o meio sejam mais fáceis. Por isso arrancamos as escamas que vão se
formando todos os dias com as durezas da vida, para que estejamos sempre à flor
da pele. É preciso que o ouvido esteja sempre aberto, que os olhos se
direcionem para aquilo que realmente importa. E o que realmente importa não tem
nada a ver com o que está aí para ser visto. É preciso cultivar a sensibilidade
em relação ao que se vive.
Para
ser escritor, é preciso que as palavras ainda sirvam de brinquedo, como na
infância. A pior coisa que pode acontecer é deixar que a língua fique
endurecida pelas regras. O melhor é a língua solta, porque daí as
possibilidades são infinitas. A escrita nada tem a ver com a idade da pessoa
que escreve, mas com uma tendência de sentir a dor alheia. De se transvestir da
pele do outro, seja ele quem for. O escritor é um que consiga se despir dos
seus próprios preconceitos ou, dos que carrega, que possa ser sincero e falar
sobre eles, até que caiam por terra. Amigos, não há outro modo possível que não
seja a fala, a escrita, nos caso. Sentir as próprias dores é de todos nós, mas
sentir as dores do outro, somadas às nossas próprias, e poder transformar isso
em palavras é uma dor que faz sentido. Ousaria dizer que é gostosinho, ao menos
para mim.
Já
são quase cinco e meia e a vida real me chama. O relógio, por mais que eu
quisesse esquecê-lo, desperta dizendo: “Vá, novinha, que você tem que
trabalhar. Ou vai ficar aí catando borboletas?”. Me desculpem pelos devaneios e
pelas borboletas. Deve ser efeito da insônia.
Isloany Machado,
12/04/2017.
ISloany felizarda! Consegue pensar em nada preocupante durante sua insônia! Esse post me fez pensar em outras coisas também na sua pergunta - não sei responder. Concordo super com vc: a sensibilidade ao outro é fundametnal à arte. Há uma coisa que gosto de chamar de urgência subjetiva, um sentimento de urgência, que me impele a escrever e se não o faço, sufoco... Um beijo, continua escrevendo porque leitores não se oferecem em número - né? - mas em qualidade.
ResponderExcluirMarcia Neder você falou em urgência subjetiva, de sentimento de urgência, sufocar, a pintura também é assim.Muitas vezes parece que explodirá se o ato não se completar. Engravida-Se também. Tania Nascimento
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