O que se faz em cinco
anos?
Em cinco anos se faz
uma faculdade (foi o tempo do meu curso de Psicologia).
Há cinco anos a vida
deu uma reviravolta desde que tomei um soco no estômago com a morte do meu
primo. Morte que me fez repensar meus próprios julgamentos sobre o suicídio,
sobre a autonomia do sujeito em poder e querer viver.
Há cinco anos, desde o
soco no estômago, descobri que tudo o que eu quero é viver. Loucamente. Não viver
loucamente. Mas loucamente, viver. É da ordem do desejo, do querer,
inconsciente e consciente.
Há cinco anos, desde
aquele soco, época em que estava a ler Água Viva, de Lispector, outro chute no
saco (que nem tenho, mas descobri com a psicanálise que gostaria de ter),
escrevi para ela (Lispector) uma carta. Ela já morreu, mas ontem entendi o que
quer dizer a expressão lacaniana de que “uma carta sempre chega a seu destino”.
A carta não era para ela, mas para mim. A carta, cujo destinatário era “mim
mesma”, me disse que escrever pode aliviar algumas dores.
Há cinco anos, desde a
carta, a palavra ficou solta em mim. Afrouxada. Facinha de ir pra ponta dos
dedos.
Em cinco anos perdi as
contas das palavras que escrevi.
Em cinco anos a vida
muda. Em cinco anos, a vida, muda, agora fala.
Há cinco anos descobri
ao mesmo tempo em que entendi que a vida tem mesmo estrutura de ficção. Despreguei-me
aos poucos das palavras que me colavam à minha história. Assim pude inventar
histórias.
Em cinco anos se tem
filhos e o tempo fica mais curto. Ou mais longo, dependendo do ponto de vista. O
tempo para as palavras escritas não é mais o mesmo, mas há um sujeitinho
chamado Adriano composto de pura palavra e, se as palavras que me saíam da
ponta dos dedos ficaram mais escassas, as palavras faladas entre nós são
lambidas de lalangue.
Há cinco anos encontrei
uma liberdade da qual ninguém mais me subtrai.
Em cinco anos nasceu em
mim um desejo que já não me caibo. Trans-bordo.
Há cinco anos fui
resgatada. De onde? Da teia que arranha o corpo.
Há cinco anos fui
resgatada? Muito passivo. Talvez há cinco anos eu tenha resgatado a menina que
fui, aquela que escrevia no diário: “estou escrevendo um livro”. Ah, como o
desejo é capaz de não sofrer os desgastes temporais que minha pele ou meu
cabelo, por exemplo, sofrem. Isso não é realmente impressionante? Em cinco anos
são já incontáveis os fios brancos. É isso a teia que arranha o corpo. Fios tecidos
pelo tempo.
Há cinco anos escrevo. Não
só porque gosto, mas porque queria cravar com letras o destino escolhido por
mim. Acho que é por isso que escrevo. E também porque queria que me lessem. Como
na infância via meu pai pelos cantos a ler livros. Eu queria ser livro para que
ele me lesse.
Há cinco anos, enfim,
sou livro.
Há cinco anos, enfim,
estou livre.
Há cinco anos, enfim,
me livrei.
Isloany Machado,
26/03/2017
(aniversário de
cinco anos do blog Costurando Palavras).
Lindo texto!
ResponderExcluirA vida é "trem-bala" mesmo... bjs