Olá Isloany,
Li "Em Defesa dos Avessos Humanos" em uma longa viagem para
casa, entre aviões e 10 horas de espera em aeroporto, estava calor e eu não
tinha dormido muito bem, primeiramente devo dizer que suas palavras foram boas
companheiras nessa jornada cansativa. Assim como uma canção, a literatura marca
em minha vida pequenos recortes temporais, releio livros e relembro o que
sentia, quais eram meus dilemas, meus prazeres e em que ponto eu estava em
minha jornada comigo mesmo; não foi diferente com "Em Defesa dos Avessos
Humanos". Não foi a toa (nunca é) que suas palavras se marcaram nesse
pequeno recorte temporal pessoal de uma viagem para casa, após 1 ano e meio
distante, distante por escolha, distante de questões que precisava lidar e me
implicar, justamente escolhi ler um livro que fala sobre desejo, relações
familiares, literatura, psicanálise, morte, subversão, objeto "a",
Manoel de Barros, amor e quantos mais significados pessoas e palavras possam
desbravar. Relendo-o agora para escrever essa carta, relembro do quão angustiante
foi essa viagem e como foi importante voltar pra casa e resolver pendências,
falar o que deveria ser dito e reencontrar os prazeres de meu antigo lar. Seu
livro tem temas diversos como se propõe a ser, alguns com uma escrita bem
humorada, expressões divertidas e estranhas sob o olhar de um nortista como
"o creme do verão", outros tem o peso da angústia nas palavras e
outros possuem palavras sobre um olhar sutil do cotidiano. Os temas são
diversos, porém sob minha ótica tocam na mesma questão, sobre a árdua tarefa de
"ser" em um mundo modelado pelo outro, ser e sustentar seja lá o que
desejarmos. Nos dias de hoje vemos a ascensão da intolerância e a tentativa de
impor modos de vida conservadores, enquadrantes e sufocantes, os avessos
sobreviveram, sobrevivem e quem sabe com muita luta, nós Os Avessos Humanos,
pararemos de sobreviver e finalmente viveremos nossas vidas da maneira que
quisermos viver. Costumo achar que um bom livro quebra não só nossas expectativas,
como quebra nossas lógicas, preconceitos e implica-se como um novo significante
que implicará em novos significados posteriores, um bom livro abre novas
possibilidades de ser e estar, pelo menos é o que a literatura significa para
mim. Seu livro se marcou e implicará significados em meu futuro, além de ser
uma inspiração para entusiastas da escrita como eu, obrigado pela companhia e
continue a escrever (se assim desejar) com essa leveza e fluidez bem humorada e
também com o peso da angústia evanescente que se torna física através de
palavras, palavras são navalhas como diria o sumido Belchior, são também um
abraço em alguém que amamos após um longo período distante, palavras são ver e
significar, construir nossos universos únicos e solitários com amor sobre a
falta e a falta sobre o amor, com arte e vida. Virginia Woolf nos diz que um
dos motivos para ler, seria torcer pelos autores em suas histórias singulares,
repleta de experiências e uma vida que o levou a escrever o que escreveu, o
outro motivo, este na pós-leitura, seria formar nossa própria opinião e ter um
olhar crítico sobre o que lemos, porém o real motivo pra ler seria o prazer de
ler, um prazer complexo e difícil, que varia de época para época e de livro pra
livro, mas este prazer é suficiente, assim como a leitura de seu livro.
"Na verdade o prazer é tão grande que não se pode ter dúvidas de que sem
ele o mundo seria um lugar muito diferente e muito inferior ao que é. Ler
mudou, muda e continuará mudando o mundo." (Woolf, Virginia, mil
novecentos e bolinha.)
Com apreço, Alain K.
PS: em Macapá usamos uma expressão parecida com "o creme do
verão" que é "a polpa da bacaba".
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