Campo Grande, agosto de 2016.
Querida
Marcia,
Infelizmente não pude ir ao lançamento de seu livro aqui
em Campo Grande, mas sabia que este era um livro necessário, ainda mais depois
da maternidade. Por falar nela, tenho um Adriano que está para fazer um ano. E como
as coisas mudaram desde o nascimento dele! Pra começar, o parto já foi o marco
do quanto não temos nenhum controle sobre a vida do outro. Ele veio prematuro
por causa de uma pré-eclâmpsia e descolamento de placenta, no oitavo mês. Ficamos
19 dias no hospital e eu não havia me preparado nem um pouco para isso. Foi caótico
porque eu não conseguia dormir e, imagine, claro que fiquei meio “surtada” e “paranoica”,
não querendo desgrudar dele nem por um momento, achando que só eu sabia cuidar
dele. Só pude voltar ao estado normal (leia-se: escovar os dentes, pentear os
cabelos e passar um batom) depois que uma pessoa bem importante para nós furou
meu narcisismo e onipotência dizendo que eu não poderia dar conta de tudo. Eu sentia
muito medo de perdê-lo. Enfim, desse quase um ano pra cá, claro que a vida
mudou radicalmente. Assim como você, tive que reduzir minhas atividades, mas
fiquei só dois meses completamente em casa. Aos poucos fui voltando a atender,
a escrever, ler, e etc. Quando o Adriano estava com nove meses o pai dele saiu
do emprego e aí o pequeno deixou de ser um “filho da mãe”.
Eu comprei seu livro porque queria ler logo pra emprestar
pra minha irmã. Quando comecei a leitura d’Os filhos da mãe, já achei
fantástico o fato de você escrever em seu nome (primeira pessoa), assumindo a
autoria de sua história com a maternidade. Marcia, seu livro é incrível. A minha
vontade era de comprar uma caixa inteira dele e, depois de distribuir para
todas as minhas amigas, sair pela rua panfletando Os filhos da mãe, dizendo
para as pessoas: “Olá! Você gostaria de se livrar das culpas da maternidade?”,
quase como as pessoas costumam dizer: “Oi, você já conhece a palavra de Deus?”.
Todas as pessoas deveriam ler, pelos seguintes motivos:
- Mulheres que são
mães: pelo motivo mais óbvio que é entender porque se sentem tão culpadas e
poderem se livrar desse sentimento.
- Mulheres que ainda
não são mães, mas desejam sê-lo: entender o peso histórico que nossa cultura
coloca sobre a maternidade para que possam se preparam melhor, sabendo que
incluir o pai é necessário. Para que saibam também que ter filhos não precisa
ser um bicho de sete cabeças desde que se lide com isso de forma mais leve. Não
acho que seu livro desmotiva as mulheres de terem filhos. Pelo contrário.
- Mulheres que não
querem ser mães: para que saibam que não é preciso ter filhos caso este não
seja um desejo. Desejando já é difícil, imagine sem esse quesito fundamental? Desobrigar-se
da maternidade é amar um filho que nunca virá e, portanto, não terá que
arrastar o saquinho de ossos das neuroses familiares. Isso também não é amor?
- Homens que são pais:
para que entendam o peso histórico que nossa cultura coloca sobre a mulher/mãe
e para que não sejam eles ainda mais um peso. Para que sejam pais de fato.
- Homens que ainda não
são pais, mas desejam sê-lo: Para que se preparem para uma grande mudança na
vida, pois a paternidade não é só estar com os filhos na hora de brincar.
- Homens que não querem
ser pais: para que assumam isso e banquem seu desejo.
- Mulheres e homens
cujos filhos já saíram de casa: para que se reconciliem com seu passado e se
reinventem como homens e mulheres desejantes.
Enfim, esse livro tinha que ser incluído como leitura
necessária em todas as faculdades, devia ser prescrito como remédio para todas
as mulheres que sofrem de depressão pós-parto, baby blues e similares, devia
ser diluído na água dos bebedouros das escolas.
Só fiquei com uma questão: será que os casais homo não
repetem também o binarismo “função materna X função paterna”?
Marcia, traduza seu livro para muitas línguas, todos
precisam dele, mesmo os xiitas da maternolatria. Quem sabe mesmo sob pedradas você
consiga furar essa onipotência?
Muito obrigada!
Um abraço,
Isloany