Comentário do filme The Eichmann Show
Onde
estava escondida a humanidade daquele homem que esteve como cabeça em todo o
processo que exterminou mais de seis milhões de judeus? É esta a pergunta que
persegue o judeu contratado para fazer a cobertura “cinematográfica” do
Julgamento de Eichmann na cidade de Jerusalém. Somente monstros fazem
monstruosidades? Ou será que humanos, vez ou outra, perdem a noção e o limite
de suas ações destrutivas contra os “pares”? Há dias estava enrolando para
assistir de uma vez The Eichmann show,
primeiro porque sei que tenho o estômago fraco, segundo porque sinto dor.
Bem, o filme conta a
história do julgamento desse homem, famoso na história, que foi o responsável
pela organização do massacre dos judeus. Quem era ele para além disso? Um pai?
Um esposo? Um filho? O mais importante é a forma como ele se define: alguém que
era leal às ordens que lhe eram passadas. Aliás, nenhum crime poderia ser pior
do que descumprir um juramento. Dadas as circunstâncias, ele se considerava
inocente de tudo o que estava sendo acusado. O julgamento acontece em
Jerusalém, entre judeus. O responsável pela equipe de filmagem não queria
despregar os olhos, ou as câmeras, do rosto de Eichmann, mais precisamente, do
olhar. Procurava qualquer traço de desconforto, arrependimento, ou sarcasmo que
fosse, diante de tantos depoimentos de pessoas que haviam sobrevivido ao
holocausto. O que mais me revirou o estômago foi o de um homem, judeu, que
descarregava os caminhões lotados de corpos de pessoas exterminadas por gás. Os
corpos eram enterrados em valas comuns. Amontoados de osso e pele. E no meio
disso tudo, o homem encontra a carcaça da esposa e dos dois filhos. Eichmann
não move um músculo facial.
São dias de duração do
julgamento que foi televisionado para o mundo inteiro. As vozes dos
sobreviventes puderam ser ouvidas, daqueles que antes estiveram no lugar de
puro objeto. É marcante, é doloroso. E era preciso que o mundo soubesse, para
que assim, lembrando, não caísse na tentação de repetir. Não direi a sentença
de Eichmann para que as pessoas não saibam o final, apesar de que nessa
história, o que menos importa é o final. Até porque temo que esse terror nunca
acabe.
Vivemos tempos difíceis
em nosso País. Nossa democracia está no fio da navalha. Estamos retrocedendo em
direitos humanos. Inacreditavelmente, muitas pessoas exaltam um Bostonaro que,
por sua vez, exalta torturador dos tempos da ditadura. Em que isso é diferente
de Eichmann? A quem essas figuras representam? Eu me pergunto se as pessoas não
estão entendendo para onde estamos caminhando. A barbárie está balançando o
rabo e quase podemos tocá-lo. Será que quem apoia Bostonaro tem noção do que um
homem desses pode fazer se estiver no poder? O que me entristece é que ele não
fará nada mais nada menos do que representar cada pequena intolerância do
dia-a-dia: “Ah, eu não tenho nada contra gay, dede que não faça parte do meu
mundo”; “Tinha que ser preto”; “É um viado mesmo”; “Tinha que ser mulher”;
“Bandido bom é bandido morto”, “etc”. É o narcisismo das pequenas diferenças. A
destruição arraigada em nós, que só pode ser “curada” fazendo laços.
Ao fim, uma fala do
filme que me chamou a atenção, e transcrevo literalmente: “Quem já achou que
Deus nos criou melhor do que outro ser humano, já ocupou o lugar que Eichmann
ocupou uma vez. E quem permitiu que o formato do nariz de outras pessoas, a cor
da pele, ou a maneira como elas veneram seu deus envenenem nossos sentimentos
por elas, conheceram a perda da razão que levou Eichmann à sua loucura. Foi
assim que tudo começou para aqueles que fizeram essas coisas”.
O mais assustador é que
Eichmann, longe de ser um monstro, poderia ser qualquer um de nós. Estejamos
atentos aos discursos de ódio que repetimos, atentos sobretudo às pequenas
intolerâncias de cada dia, pois é daí que se originam os totalitarismos. Isso
não é brincadeira. Chega uma hora em que é preciso se posicionar e parar de dar
sorrisinhos amarelos.
Isloany
Machado, 06 de junho de 2016.
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