Eis
que chegou meu primeiro dia das mães. Ano passado ele ainda estava na barriga e
ainda era o filho idealizado. Eu não sabia que ele seria melhor do que o tal
filho idealizado. Eu não sabia que nunca mais dormiria do mesmo jeito de antes,
mesmo que conseguisse dormir. Não sabia que a existência dele ocuparia meus
pensamentos de tal maneira que nem dormindo eu conseguiria esquecê-lo. Certo,
sabemos que ser mãe não é natural. Mesmo que sejamos mães biológicas de um
filho, é preciso adotá-lo em pensamento. É preciso que sua existência ocupe um
espaço em nossa vida que antes não existia.
Quando
eu ainda andava às voltas com a questão de “adotar” ou não um filho, doar algo
que eu não sabia se tinha, disse para meu médico: Tenho medo de ter filho. “De
que você tem medo?” Ele me perguntou. De não saber cuidar; respondi. “Você só
precisa amá-lo”. Seria só isso? Ah, então estava fácil. Mas o medo continuou.
Lacan dizia que amar é dar o que não se tem. Amar é dar ao outro a própria
falta. Para amar é preciso ser humilde. Para amar um filho é preciso dar a ele
o desejo de desejar. Mesmo que isso custe uma dolorosa e lenta separação. Adriano
iniciou sua separação de mim quando nasceu e precisou ser levado para
atendimento emergencial. Depois, quando tinha pouco mais de um mês, separou-se
mais um pouquinho quando não queria mais ficar no colo de frente pra mim, mas
sim de frente pro mundo. Mais um tiquinho quando começou a comer e não queria
tanto peito quanto antes.
Ainda
essa semana ri com a minha mãe, que só me mandou embora de suas tetas quando eu
tinha 4 anos e 20 dentes. VINTE DENTES! Ri ao pensar que se ela não tivesse me
dado um chega pra lá, eu estaria pendurada até hoje e nada seria o bastante. Eu
precisei separar-me da minha mãe para ser mãe. Eu precisei ser mãe para saber
que minha mãe nunca poderia me dar tudo, mas que ela soube me dar o que não
tinha.
Há
alguns anos, como um cachorro que corre atrás do próprio rabo, tenho pensado e
falado sobre o mistério de minha mãe. Ora, todos sabem que se vai à análise
para falar da mãe. Não da mãe real, essa de uma certa realidadezinha em carne e
osso, mas dA mãe, aquela que nós criamos. Justamente daquela que um dia temos
que nos separar. Perscrutar o mistério de minha mãe me ajuda a ser uma mãe
melhor para o Adriano. Porque me ajuda a perdoar todos os erros que ela cometeu
e aqueles que deixou de cometer. Porque me ajuda a perdoar os meus erros, antes
mesmo que eu os cometa. Se eu não tivesse me separado dA mãe, me cobraria tanto
com meu filho que não conseguiria ser sua mãe e ficaria ansiosa pela chegada do
segundo filho, para só então fazer tudo certo e acabar fazendo tudo errado, de
novo.
Cuidar
de um filho é fácil. Basta lavar, secar, vestir, limpar, alimentar, ninar. Amar
é uma construção que pode ir se tornando cada vez mais fácil, porque a cada dia
nos sentimos mais à vontade pra nos permitirmos errar e, assim, transmitir o
essencial: a falta. Deixar que se separem de nós pode ser um pouquinho mais
difícil, afinal todos temos expectativas, mas é fundamental para que eles saiam
por aí achando o que fazer com suas próprias faltas.
Por
ora estou explodindo de alegria com meu primeiro dia das mães. Porque consigo
me perdoar por não ser a melhor mãe do mundo, e assim consigo ser mãe. A minha
mãe também não é a melhor mãe do mundo. Ainda bem. Mas hoje sei que ela é a
melhor mãe que poderia ser. Eu sou a melhor mãe que posso ser.
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