Durante
a minha gestação, li alguns relatos de parto. Não li muitos porque,
sinceramente, me irritava ler depoimentos de mulheres que não ousam falar da
dor de um parto natural, agindo como se este “fenômeno” não pudesse ser chamado
de dor, mas de algo puramente fisiológico, uma coisa da natureza, de adaptação
da mãe e do bebê. Eu queria ter tido parto natural, mas não porque fosse
enfeitar o quarto com pétalas de rosas, óleos essenciais, música indiana e etc,
para fazer de conta que ia doer menos. Era só porque eu achava que seria
melhor. Mas eu sei que ia doer pra cacete e tava me cagando de medo. Confesso.
Mas às vezes falar dos medos é algo quase que proibido.
Mas
eis que não deu tempo. Com 33 semanas, meu obstetra verificou que minha pressão
arterial tinha tido um aumento e a resistência da artéria umbilical (nem sabia
que isso existia) estava um pouco alta, o que significa que o bebê recebe menos
sangue do que deveria. “Corte o sal”, foi o que ele recomendou, “e volte aqui
na semana que vem. Fique atenta aos movimentos dele”. Obedeci, é claro. Na
semana seguinte, um dia antes de voltar ao consultório dele, cismei que Adriano
não estava se mexendo. Fomos à maternidade e ouvimos o coração dele, porém,
estava pouco responsivo. O médico plantonista orientou que ligasse pro meu
médico, mas já era mais de meia-noite. Ainda assim liguei. Como já estava
combinado, eu iria ao consultório no dia seguinte.
Minha
pressão não tinha baixado e Adriano teria que nascer, já que o quadro que se
apresentava era de pré-eclâmpsia. O médico ainda estava calmo pela manhã e,
como não havia vaga na maternidade porque todas as mulheres resolveram parir no
mesmo dia, fui pra casa até a vaga surgir. Estávamos com 34 semanas então. Eu
não estava preparada. Não tinha passado as roupinhas dele, o quarto não estava
finalizado. Quando voltei ao consultório à tarde, obviamente assustada porque
teria um bebê prematuro, o médico ouviu novamente o coração do bebê e, tentando
disfarçar o nervosismo, me disse: “Ele precisa sair daí agora”. E quando ele
disse agora, era agora mesmo, porque saímos correndo pra maternidade, mesmo sem
vaga, porque se tratava de uma emergência e emergências não esperam vagas. Me
lembro de ter perguntado a ele: “Vai ficar tudo bem?”. Mas não me lembro da
resposta. Meu marido estava atônito, ainda assim tentava me acalmar.
Fomos
pra maternidade e, como de praxe, tínhamos que preencher uma pilha de papéis
para dar entrada na internação. De repente vi meu médico entrando na recepção
esbaforido e me pegando pela mão para que as enfermeiras me ajeitassem pra uma
cesariana de emergência. Era o Real se fazendo presente goela abaixo, porque eu
não sabia o que sentir, o que pensar, o que falar. Elas me arrumaram, me
levaram pra sala de cirurgia, me anestesiaram e o médico tirou meu filho de
dentro da minha barriga num espaço de tempo de meia hora. Nesse curto período
eu fiz de conta que não estava entendendo o que estava acontecendo. Eu fiz de
conta que não sabia que tanto eu como meu filho poderíamos morrer. Eu fingi
porque precisava manter meu corpo em algum tipo de equilíbrio que eu nem sabia
qual era. Nunca pensei que ouvir o primeiro choro dele seria tão emocionante.
Eu chorei também depois de dar um suspiro de alívio.
Quando
foi parido de mim, só deu tempo de um rápido beijo e ele foi levado para os
procedimentos. Só pude saber exatamente o que havia acontecido, depois que o
susto passou e, além da pressão alta, minha placenta estava sem condições de
dar sequência à gestação. Tanto que o primeiro significante do Adriano foi:
“guerreiro”. Por ter lutado todo esse tempo (oito meses) com uma placenta
calcificada. Ele teve que ficar durante quatro horas com respiração artificial,
mas depois disso passou a respirar sozinho e bem. Por precaução, ficou alguns
dias na UTI, precisou de banhos de luz e suas plaquetas estavam baixas, devido
ao problema todo da gestação. Contar tudo isso depois parece tão ameno, mas não
alcança nem de longe o que eu senti. Tentarei descrever da melhor forma
possível, por mais dramático e exagerado que pareça. Então, lá vamos nós de
novo:
Quando
foi parido de mim, só deu tempo de um rápido beijo e ele foi levado para os
procedimentos. Apesar do alívio de ouvir seu choro, e ainda que eu soubesse que
ele tinha que ser levado para os procedimentos, eu só queria tê-lo em meus
braços, naquele minuto, imediatamente. As horas de recuperação da cirurgia
pareciam eternas, porque eu não tinha notícias, não sabia onde ele estava, não
podia ter ninguém por perto, nem o pai, já que enquanto Adriano nascia, ele
ainda estava na recepção preenchendo os papéis da internação.
Tive
notícias do Adriano horas depois, que me pareceram uma eternidade. “Ele está
bem”. Mas então por que não estava comigo? Obviamente porque era prematuro. Mas
toda a avalanche do meu sentimento de mãe, nascido ali no exato minuto em que o
ouvi chorar, não entendia isso. Passei a noite em claro e só pude levantar da
cama doze horas depois do parto. Meu filho estava na UTI, “estava bem”, era o
discurso de todos. Mas então por que meu coração não se aquietava? Foi quando
eu comecei a perder a noção do tempo. Eu só sei que demorou muito para que eu o
visse pela segunda vez. Demorou mais ainda para que eu pudesse pegá-lo no colo.
Ah, como demorou! Depois me contaram que foram só dois dias, mas como demorou.
E
como eu poderia descrever essa primeira vez? Dizem que o doce fica bem mais
doce depois que se provou o amargo. Eu pude sentir o cheiro dele quando o
colocaram em meu peito depois de termos tentado fazê-lo mamar o chamado
colostro. À noite, no quarto do hospital, que ficava no segundo andar, estávamos
separados por alguns metros. Ora, eram só alguns metros, certo? “Ele estava
bem, afinal”. Mas a avalanche de um sentimento materno animalesco fazia com que
eu chorasse, exatamente como as outras mamíferas quando têm suas crias
apartadas de si. Meu sono era curto e sempre interrompido por esse choro
irracional. O pai do Adriano estava ao meu lado e, por mais que quisesse chorar
também, segurou as pontas porque sabia que eu precisava. Nunca o amei tanto.
Na
UTI mesmo iniciamos o treinamento da amamentação, e eu morria de medo de
pegá-lo sozinha. O tempo passou a ser contado em mamadas, e rapidinho ele
aprendeu. Foi transferido para uma unidade intermediária na qual eu poderia
ficar 24 horas ao seu lado. Foi quando a avalanche do amor materno se
transformou em um amor louco, esquizo-paranoide. Eu queria ficar 24 horas ao
lado dele, porque somente eu poderia ver se ele estava respirando, somente eu
cuidaria direito dele, somente meu leite seria a salvação para todos os males
da humanidade. Foi quando parei de dormir.
Minha
amiga mais próxima tentava me dizer de alguma forma (tentou até apelar para
Melanie Klein), que isso era loucura, que eu precisava dormir. Meu marido
também tentou, mas eu só parei quando meu corpo não aguentou e eu entendi que
essa loucura podia prejudicar a produção de leite. Também parei quando meu
médico disse que eu não precisava ser uma supermulher e que o Adriano não era
um coitadinho, pelo contrário. Passei então a dar seis mamadas no hospital,
passando o dia todo lá desde as 7h da manhã até as 11h da noite. Depois vinha
pra casa dormir e produzir leite. O tempo em que eu não estava lá ele passava
por duas mamadas em que tomava leite do banco de leite humano.
Somente
estive lúcida na última semana de internação. Foi quando consegui interagir com
as outras mães, tão ou mais loucas do que eu. Todas persecutórias, achando que
somente elas sabiam cuidar dos filhos, maldizendo as enfermeiras caso não colocassem
luvas e máscaras e etc. Foi só nesta última semana que consegui me lembrar de
quem eu era, consegui passar batom e pentear os cabelos. Sinceramente, nas
semanas de loucura, nem me lembro de ter escovado direito os dentes.
Ao
todo, foram 19 dias até que ganhássemos a bendita alta. Desde então estamos em
casa, bem, apesar das inseguranças mais tolas do dia-a-dia. Peço desculpa a
todas as amigas que tentaram falar comigo nesse período. O tempo continua sendo
contado em mamadas e nosso objetivo continua sendo o ganho de peso, que está
indo muito bem. Os médicos dizem: “Seu menino está muito bem, considerando tudo
o que passou dentro do útero. Ele é um guerreiro, sem dúvida. Ou esse menino é
um milagre, ou as contas da idade gestacional estavam erradas.” Sei bem o nome
desse milagre. O nome do milagre é desejo, tanto meu quanto dele.
Assim
foi meu parto. Quanto à cirurgia e à recuperação, posso dizer que sequer senti
dor, eu juro. Eu só precisava estar bem para cuidar dele, lembra? Só então pude
entender as mães loucas que não sentem dor no parto normal.
Isloany Machado, 04/10/2015
Vida! =)
ResponderExcluirSeu relato é emocionante!! Eu quero muito ter um bebê e por vários motivos ainda não consegui. Mas qdo vc fala da força do desejo... ah, aí sim senti que posso! Obrigada por compartilhar um momento tão seu conosco. Bjo
ResponderExcluirMulher, muito obrigada por este relato! <3
ResponderExcluirMulher, muito obrigada por este relato! <3
ResponderExcluirChorei! Continuo na torcida. Força!
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