A primeira vez que vi Pietro foi em algum dia entre
2005 e 2006. Eu entrei no sebo procurando um livro legal para presentear uma
amiga que estava de aniversário (Não me pareceu que ela gostou do presente na
ocasião porque, afinal, era só um livro “velho” e só eu mesma pra gostar dessas
coisas). Entrei no sebo e um rapaz meio baixinho veio me atender. Eu já havia
ido lá outras vezes, mas sempre fui atendida por pessoas que só estavam ali por
um emprego e jamais por amor aos livros. Vi no brilho dos olhos e na conversa
que tivemos, que Pietro era um vendedor diferente, que a paixão por aquilo ali
era o que o movia.
De todos os sebos da cidade,
aquele que eu nem gostava, passou a ser o melhor. Muitas vezes fui lá sem ideia
do livro que queria comprar e acabava saindo de lá com vários, sugestões dele. Frequentei
eventos culturais que ele promoveu lá, cujo público era sempre o mesmo: essa
gente “torta” (descendente de Manoel de Barros), que gosta dessas coisas que o
discurso capitalista abomina: pedra, sapo, rã, formiga, livro velho, etc. Assim
foi até que eu me formasse, em meados de 2007.
Meu primeiro emprego, logo depois
de terminar psicologia, foi na área organizacional (nada contra, mas não
suporto) e me mandou pra longe de Campo Grande, do namorado, dos sebos daqui,
enfim, me mandou pra longe do meu desejo. Em três meses pedi demissão (sem ter
outro emprego em vista) e voltei pra Campo Grande, sem lenço e sem documento,
com uma mão na frente e outra atrás, movida pelo desejo de não trair meu desejo.
Estava desempregada.
Coincidência ou não, na mesma
época, Pietro estava abrindo a Subcultura, sua loja de livros, CD's, vinis, VHS's e etc. Sem perspectiva de emprego na minha
área, fui procurar trabalho nas livrarias da cidade, já que, além da
psicologia, tinha paixão por livros desde sempre, desde antes. Ninguém me abriu
as portas, já que o negócio de livros não é assim tão movimentado pra precisar
de muitos funcionários. Então descobri que Pietro estava com sua Subcultura e
fui falar com ele para ser sua funcionária. Pietro estava começando o negócio e
claro que não podia me contratar, mesmo assim fiquei por lá, sendo sua
funcionária. Eu o ajudava e, se vendêssemos alguma coisa, já dava pra um belo
almoço. Pietro não podia, mas me deixou ficar. Foram dias em que almoçamos
juntos, falamos muito de literatura e de planos de negócios.
Enquanto isso eu seguia procurando emprego na
minha área de formação e não demorou muito para que encontrasse (na área de RH
de novo e desse fui demitida porque não tinha competência para ele). Não perdi
o contato com Pietro, mas já não o via com tanta frequência. Tive ainda um
terceiro emprego no qual trabalhei com crianças autistas (finalmente algo de
que eu gostava) e depois mudei de cidade, morei dois anos e meio no interior. Quando
voltei a Campo Grande para fazer mestrado, reencontrei Pietro numa livraria de
um Shopping. Ele usava uniforme e trabalhava na seção de CD’s e DVD’s. Me
pareceu que o olhar dele não tinha o mesmo brilho, mas não por causa dos CD’s e
DVD’s e sim pela Subcultura adormecida.
Nessa época tivemos pouco
contato. Até que um dia eu soube que ele havia reaberto seu sonho na rodoviária
velha, lugar de sonhos esquecidos. Pra quem não é de Campo Grande, nossa
rodoviária funcionou durante muitos anos em um lugar na região central da
cidade e há cinco anos foi construída em outro local. Mas o centro comercial que
funcionava junto com a antiga rodoviária ficou lá, povoado pelas mesmas pessoas
e sonhos. Porém, o que ficou lá foi abandonado pelo poder público. Com o tempo,
essa semana o prédio foi interditado por falta de condições de segurança. No meio
disso tudo estava Pietro com seu sonho e seu sustento sendo ameaçados.
Desde que ele reabriu sua
Subcultura, eu, engolida pela minha própria vida, não fui visitá-lo, mas nunca
deixei de acompanhar de longe os eventos que foram promovidos e, sobretudo,
nunca deixei de torcer por ele. Agora, com esse descaso com o lugar que é o
sustento de muita gente, toda a história de minha amizade com Pietro passou
pela memória. Me deu saudade. Ao mesmo tempo um orgulho de ser amiga dessa
pessoa que, tão bravamente, está lutando por seu sonho. Não podia ser diferente,
está em sua história, está colado em seu nome: Pietro significa “pedra”, “rochedo”,
“firme”. Mesmo quando tudo está desabando, lá está Pietro sustentando o rochedo
de seu desejo.
Que isso seja contagiante, que
seu desejo comova e mova as pessoas responsáveis para que o problema seja
resolvido logo. Não há nada que pague o prazer que sentimos quando não nos
traímos.
Isloany Machado, 31 de outubro de
2015.
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