Este
não é um texto de autoajuda. Também não é um texto que pretende dar resposta à
pergunta do título. Você ainda está aí? Bem, se não desistiu é porque é do time
de pessoas que gosta de ler pelo simples fato de que gosta de ler. Então seja
bem-vindo ao meu blog, que ultimamente tem ficado de lado por causa de um ser
que está dentro da minha barriga e toma meus pensamentos. A responsabilidade não
é dele, é minha, sei disso. Mas por enquanto estou me inteirando sobre bodies e mijões, macacões e pagões, plush e malhas, fraldas de boca, fraldas
propriamente ditas, toalha-fralda, cueiros, fraldas descartáveis e mais uma
infinidade de coisas que um bebê, teoricamente, precisa para viver fora do meu
útero.
E
pra mim isso quase que tem sido mais complexo do que estudar Lacan ou escrever
uma dissertação. Eu nunca sei as quantidades das coisas que devo comprar,
sempre que uma amiga dá dica de promoção de fralda em tal ou tal lugar, eu sempre
consigo comprar a fralda errada. Não sei como esse fenômeno acontece, mas acho
que me atrapalho toda porque estou tentando ser mãe e me adiantar às
necessidades do meu filho antes mesmo que ele nasça. Será que toda mãe é assim?
Veja que já comecei a fazer perguntas idiotas! É claro que não. Nem todas as
mães são iguais, nem todas as mulheres querem ser mães e isso não desqualifica
ninguém em nada. Mas desde que se decide ser mãe, a vida vira do avesso. Não sei
se posso falar por outras, então falarei por mim.
Uma
das coisas que as mães fazem é o tal de chá de bebê, ou chá de fralda, ou chá
de alguma coisa parecida com uma reunião de amigas que celebram juntas a
chegada de um bebê. Como já disse em outros textos, eu sempre fui aquele tipo
de pessoa que segura um bebê a meio metro de distância, não por não gostar, mas
por não ter ideia do que fazer com ele. Quando alguém, não me lembro quem, ao
saber que eu estava grávida disse: “Ah, que notícia boa! Me convida pro chá”,
foi a primeira vez que me dei conta de que agora era a minha vez. Muitos não
sabem, mas eu sou uma pessoa muito esquisita, e a primeira coisa que me veio à
cabeça foi: “Que fazer chá, que nada, dá muito trabalho isso e eu não dou conta”.
Eu faria outro mestrado, mas não daria conta de organizar sozinha um chá de
bebê.
Resoluta,
nem pensei mais no assunto. Até que minha irmã anuncia que ela, o marido, o
filho e minha mãe virão me visitar. Então pensei: “Opa, será que ficaria legal
fazer um chá quando elas estivessem aqui? Assim poderiam me ajudar e afinal, eu
gostaria de compartilhar esse momento com elas”. Escrevi para as duas: “Estou
pensando em fazer o chá de bebê quando vocês estiverem aqui”. As duas gostaram
da ideia. Comecei a olhar na internet as ideias para saber como fazer isso,
porque sempre fui uma negação em organizar qualquer evento, por mais simples
que fosse.
Quando
comecei a ver as fotos, me senti ridícula e quase desisti. As decorações de chá
de bebê pareciam mais elaboradas até do que as de festas de um ano. E eu só pensava:
“Onde foi parar aquela conversa de juntar as amigas na varanda de casa,
pendurar umas roupinhas do bebê num varal, encher uns balões, tomar um lanche e
pagar uns micos?”. Foi quando eu comentei com o marido e mostrei as fotos a
ele, que gritou, exasperado: “Mas que diabo é isso?”. Pois é. Ainda bem que nos
encontramos um dia, pois já fizemos uma festa de casamento que não se parecia
nada com uma. A festa foi tão atípica que uma amiga comprou os noivinhos e
colocou em cima do bolo, porque nem isso havíamos feito. Agora fizemos um filho
e estamos juntos em continuar fazendo as coisas do jeito que acreditamos e
queremos. Eu queria um chá que reunisse minhas amigas de verdade. Quase couberam
nos dedos das mãos. Mas era exatamente isso que eu queria: gente que realmente
sabe quem eu sou, gente que já me viu pelada, gente que já me viu chorando,
gente pra quem eu posso reclamar da vida, gente que já dormiu na minha casa,
gente que eu já vi chorar, sofrer por perder alguém ou por amor.
Começamos
com os preparativos: o pai fez o convite virtual, compramos as coisas pra fazer
as lembrancinhas, e agora era só esperar chegar mais perto do dia para que
pudéssemos encomendar comes e bebes. Seria absolutamente sobre-humano pra mim
fazer docinhos e salgadinhos. Então a amiga mais prendada pra essas coisas se
ofereceu para fazer os docinhos e no dia chegou mais cedo para deixar aqui em
casa. Enquanto preparava os doces, ela ia me mandando fotos, toda empolgada,
das paneladas. E ela estava aqui no dia e na hora, antes da hora, feliz por mim
e pelo filho que vai nascer.
A
amiga que é meu guru da maternidade, que acabou de ter uma filha há um ano, me
deu todas as dicas de como poderia organizar essa festa, me emprestou coisas,
veio trazer mesas e cadeiras, toalhas de mesa (que eu nem lembrava que tinha
que usar), bandejas, ajudou no orçamento até dos salgados, ufa. É ela a amiga
pra quem não tenho vergonha de mostrar os peitos pra que me diga se está
ficando bom pra amamentação. E ela estava aqui no dia, um pouco antes da hora,
pra me ajudar a arrumar o que faltava, me olhava feliz por ver o quanto eu
estava contente.
E
a amiga de Cuiabá, mais que irmã, desde que tínhamos 15 anos, chegou de viagem
no dia do chá, bem cedo, e me ajudou a picar as frutas para a salada de frutas
que inventei de fazer, e me ajudou a colar as letras do nome do meu filho na
parede, e juntou os balões e colocou nas paredes. Ela veio, mesmo tendo perdido
um irmão pra morte há pouco mais de quatro meses. Ela estava aqui, pisando o
mais fundo possível em sua dor para compartilhar minha alegria.
E
uma ex-professora, que é uma pessoa aconchegante (não encontro outra palavra
para falar dela) de quem gosto muito, e que participa tanto da vida de tantos
de nós, que fez da relação na universidade uma amizade pra vida toda. Ela trouxe
também a filha, que está grávida e linda, compartilhando esse momento surreal
da vida.
E
veio a moça que arruma minhas unhas toda semana, e se tornou amiga porque eu
conheço os filhos dela, ela vê minha barriga crescer toda semana. Veio também a
mãe dela, que me ajuda a cuidar da casa e por quem minha cachorra surda grita
de felicidade sempre que vê. E veio a vizinha, que fez o bolo pro chá, alegria
da mulherada de tanto chocolate que tinha.
Veio
também a amiga da faculdade que fez mestrado junto comigo, que tem os olhos amendoados,
eternizados num texto do meu primeiro livro. Nunca nos vimos peladas, mas já a
vi chorar, o que dá na mesma. Veio a amiga que tem dois filhos, que a colocam
de cabelo em pé e mesmo assim ela ama mais que tudo. Veio a moça que é namorada
do colega de trabalho do meu marido, que eu fiz questão de chamar, porque há
algo além no que sinto por ela mesmo sem conhecê-la muito bem. Não acredito em
outras vidas, mas se acreditasse, facilmente pensaria que já nos conhecemos. Sabe
aquele sentimento gratuito? É dele que estou falando.
Veio
a cunhada, tia paterna, e a sogra, avó materna. Sempre às voltas com o tempo,
chegaram depois do meio da festa, mas o que importa é que vieram, como puderam,
e a tia passou a noite fazendo bombons para colocar nas lembrancinhas do chá. Estão
esperando o novo membro da família para pegar no colo e dizer: “Olha como esse
nariz parece com o do avô! E essa sobrancelha igualzinha a da minha mãe?!”.
Competirão
com a tia materna, minha irmã, e a avó materna, minha mãe, que estavam aqui e,
com seus jeitos tão desastrados quanto o meu, ajudaram na preparação das coisas
da festa. E foi grande a ajuda. Minha mãe está de passagem comprada para vir
quando ele nascer, e com certeza passará um mês inteiro tentando lambê-lo com a
mesma lalíngua com que me lambeu quando nasci. E com certeza passaremos um mês
brigando porque eu não vou deixar, e porque ela sempre acha que ele está com
fome, desde que contei que estava grávida. Vocês entenderam? Ele ainda não
nasceu e ela sofre por achar que ele está com fome! E a minha irmã, que se roeu
de ciúme quando eu nasci, agora espera ansiosa pra ver o rosto do sobrinho.
Na
festa, eu olhava pra todas elas e não tinha como não estar feliz. Entendi que
pra mim é mais fácil fazer uma dissertação porque pra isso não preciso de
ninguém além dos livros. Organizar esse chá mobilizou coisas e pessoas que eu sei
que realmente gostam de mim, e às vezes, se sentir tão amado, dá até uma
pontada de culpa na gente. Eu avisei que era esquisita. O pai do Adriano, além
de tê-lo feito junto comigo, ajudou em todas as coisas da festa que exigiam
coordenação motora fina, tais como amarrar um laço de fita de cetim. O tio,
marido da minha irmã, encheu os balões até ficar com a boca azul. Mas todos os
homens foram expulsos da casa, sob protestos. O pai queria se infiltrar como fotógrafo,
não deixei. Eles querem sempre um dia de passe livre, mas nunca sabem o que
fazer com ele. Saiu de casa acompanhado do cunhado e da filha mais velha, nossa
cachorra que não deixaria ninguém em paz. Voltaram antes da festa acabar, é
claro.
E foi tudo exatamente como eu queria: no quintal de casa e sem frescura. É uma pequena felicidade, ou pode parecer
pequena, mas fiquei agradecida por tudo o que senti naquele dia e nos que se
seguiram. Ainda que todos digam que o difícil mesmo é depois que o filho nasce,
não quero me preocupar com isso agora, cada coisa em seu momento. A felicidade
pode ser apenas isso, não adiantar preocupações que certamente virão, mas que
não precisam fazer sombra naquilo que é essencial: o momento.
Isloany Machado, 04/08/2015
É uma delícia ler seus textos! há tempos não passava por aqui, e me sinto feliz ao ler! Vc consegue descrever a felicidade do modo simples e enigmático, tal qual ela é!
ResponderExcluir