Esta
semana li o texto de uma colunista do Estadão, em que ela pedia que deixassem
as grávidas em paz. O grito tinha a ver com a gravidez da irmã da autora do
texto, “gravidíssima”, que ouve coisas absurdas todos os dias de pessoas sem
noção. Os comentários variam desde a comida/bebida ingerida pela grávida,
passando pelo momento em que se decidiu engravidar, chegando até as maiores
desgraças ocorridas na história da humanidade no que diz respeito à hora do parto.
O
texto é ótimo e eu ri do início ao fim, obviamente porque estou passando por
isso também. Não ri somente porque o texto é engraçado, mas porque exatamente
naquele dia, poucas horas antes, eu tinha ouvido uma pessoa falar horrores
assim que cometi o grave erro de abrir minha boca pra comentar que quero tentar
parto natural. Os detalhes chegaram a descrever o número de pontos que se leva “lá
embaixo”. O nível da rasgadura. Enfim. Dei um risinho educado e fui me
despedindo.
Uma
das coisas que a autora da crônica do Estadão pergunta é como as grávidas podem
ter tanta paciência, de onde a tiram? Fiquei pensando nisso e comecei a lembrar
de todas as coisas que já ouvi, inclusive da minha mãe (desculpa mãe!), sobre
os horrores do parto natural. Minha mãe chegou a inventar um primo dela (que eu
nunca ouvi falar) que teria ligado preocupado e dizendo a ela que não me
deixasse parir assim. O primo preocupado comigo e com a minha suposta
incontinência urinária futura? (Desculpa de novo mãe!).
Além
das questões do parto, já passei por várias outras situações, que até já contei
em outros textos. Coisas do tipo: “aproveita bem a vida antes, porque depois
que o filho nasce, a vida acaba” (Então por que raios as pessoas nunca param de
ter filhos?); “Sua barriga está muito pequena, seu bebê deve estar passando
fome” (hã?). Já falei da barriga que se torna coisa pública, em que todos
passam a mão (sinceramente não ligo pra isso). Não sei bem se é paciência
porque um dia a sogra (desculpa sogra!) me chamou de gorda e eu respondi (coisa
que nunca fiz antes) dizendo que gorda era o nariz dela. Mas respondi rindo e
não fiquei abalada.
Depois
de lembrar (rindo) de todas estas situações, pensei, “realmente, de onde nós
grávidas tiramos tanta paciência?”. E agora eu já não sei se é paciência mesmo
ou uma espécie de ouvido mais seletivo. Como assim? É que agora carregamos um
filho na barriga e nada no mundo parece ser mais importante do que isso. Não é
à toa que Freud dizia que as mulheres ficam bem fálicas com seus bebês. É
exatamente assim que eu me sinto, como se nada mais faltasse. Quero lembrar que
aqui neste texto, que é de minha autoria, não pretendo fazer generalizações.
Cada mulher tem seus próprios sentires, algumas inclusive nem precisam de
filhos pra sentirem-se plenas. Estou falando de mim e ninguém mais. Ainda que
eu acredite que possa falar em nome de muitas.
Volto
a dizer, é como se nada mais faltasse. Confesso que antes de engravidar, tinha
tanto medo de não sentir isso. Tinha medo de ter medo de ter um filho e colocá-lo
em segundo plano desde sempre. Tá, eu sei que em algum momento alguém terá que
colocar uma estaca na minha boca e eu terei que lidar com minhas faltas, mas
tinha medo de não me permitir querer devorá-lo. Agora meu blog está às moscas e
tudo bem. Agora assisti todas as comédias românticas disponíveis na Netflix e
não preciso mentir falando que só gosto de filme cult.
Essa
semana olhei pro marido e disse: “tem algo estranho comigo, eu voltei a gostar
de assistir novela, coisa que não gostava mais desde a adolescência”. Ao que
ele respondeu: “Vai ver que você voltou a acreditar em histórias bonitas. Quem é
que não gosta de uma história?”. Pensei, pensei, e achei que é verdade. Para apostar
em um filho que vai chegar e fazer parte de um mundo tão podre, é preciso semicerrar
os olhos e voltar pra um estado letárgico, um certo desinteresse pelo mundo
externo. Um certo não dar ouvidos pras coisas absurdas que as pessoas falam.
E
por que cargas d´água as pessoas falam tanta baboseira? Ora, nós humanos
vivemos às voltas com a falta – ainda bem, pois é algo que nos constitui –;
ora, quem as grávidas pensam que são para se acharem tão plenas? A falta da
falta é insuportável, é angustiante, já dizia Lacan. Tudo aquilo que é pleno
precisa ser furado. A gravidez é uma espécie de telhado de vidro em que se
atiram pedras na tentativa de quebrar. E as grávidas, psicanalistas ou não,
lacanianas ou não, de algum jeito sabem disso. Se sabem fálicas, tanto que não
veem a hora que a barriga seja enfim notada! Tiramos fotos e esfregamos na cara
das pessoas! Dobramos a coluna na fila do supermercado para que notem nosso estado
de graça. É claro que tanta potência incomoda. Mas não adianta jogar pedra em
nosso telhado de vidro, porque o vidro é temperado, anti-balas, anti-pedras,
anti praticamente tudo.
Isloany Machado, 17/07/2015
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