Escritores,
em geral, gostam de passarinhos. Os pequenos voadores nos inspiram, dão asas
para a imaginação. Invejamos os pássaros, justamente porque têm asas, enquanto
nós, “bípedes implumes” – como nos dizeres de Platão – só podemos voar quando
embarcamos em um avião, ou quando – nossa maneira preferida – colocamos os pés
em uma boa história. Os escritores, voamos quando lemos, quando escrevemos,
quando sonhamos, ou quando admiramos o belo voo de um passarinho. Leia o “Poeminha
do contra”, de Mário Quintana:
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
Leia
em Manoel de Barros:
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas
mais que a dos mísseis.
Tenho em mim
esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância
de ser feliz por isso.
Meu quintal
É maior do que o mundo.
Amar um passarinho é gostar de olhar
para o alto. Nada pode ser mais desalentador do que um passarinho caído no
chão, de asas quebradas. Todo escritor busca seu momento de inspiração, aquele
em que finalmente estará cara a cara com um exemplar bico e pena. Eu esperava
meu dia chegar. Sonhava com o momento em que finalmente sentiria o doce soprar
das asas tocando minha face lírica.
Eis que finalmente o dia chegou. Estava
na frente da tela do computador, a parir um texto, quando ouvi um ruflar de
asas. Corri pra sala, de onde vinha o som inspirador. O passarinho era
acinzentado, parecia uma rolinha. Não sei se era, já que a inspiração não depende
de nomenclaturas. Fiquei a observar calmamente o bater de asas. Busquei fundo o
ar para sentir mais de perto o cheiro da liberdade. Mas ele me pareceu meio
perdido. Voava rente ao teto da minha casa e não encontrava saída. Por alguns
momentos me deleitei com sua desorientação, pois só assim poderia ficar perto
do que tanto nos inspira. A partir dali escreveria a melhor poesia.
Foi quando de repente, o passarinho
resolveu dar um passeio pela casa. Algumas pluminhas começaram a pintar o chão
da casa. Ah, que coisa linda! Pensei. E num segundo o passarinho estava no meu
quarto. Pousou docemente – talvez não tenha sido tão docemente assim – sobre o
guarda-roupa. Em pouco tempo eu teria que sair de casa, então, como deixar o
passarinho dentro do quarto? Subi na cama e tentei fazer com que ele voasse de
lá para fora. Ele voou para cima do ar condicionado. Peguei a escada, subi e,
ainda pacientemente, fiz com que ele saísse de lá. Pousou novamente sobre o
guarda-roupa. Desci da escada, subi na cama e, munida de um cabo de vassoura,
cheguei perto dele. Voou para o ar condicionado. Desci da cama, subi na escada,
cabo de vassoura, guarda-roupa. Escada abaixo, cama acima, vassoura, ar
condicionado. Cama abaixo, escada acima, vassoura, ar condicionado.
Ficamos
assim por cerca de quinze minutos. Foi um exercício e tanto. O tempo estava
passando e eu precisava sair pra trabalhar. Quando finalmente consegui fazer
com que ele saísse do quarto, voou pelo corredor, até pousar no ventilador de
teto, na sala. Havia ainda um fiapo de inspiração que eu insistia em manter,
escritora que sou, mas foi completamente rompido quando, na guerra das
espécies, ele cagou na minha cabeça. Enlouqueci. Gritei. Dei vassouradas a esmo
até que o agora maldito passarinho encontrasse a saída da minha casa. Acredito que
eu o tenha assustado com meus gritos. Mas ele me avacalhou quando cagou na
minha cabeça. Poxa! Eu só queria um tiquinho de inspiração! Não precisava me
mandar à merda!
Esta crônica é pra dizer que nós escritores
vivemos de inspiração. Vivemos das histórias que inventamos a partir de objetos
ausentes. Quanto mais ausentes, mais inspiradores. Para escrever é preciso
estar em falta, para alguns, ou em excesso, para outros tantos. A minha escrita
é pela falta. Quando estou em excesso custo a escrever. Quando a realidade
invade a fantasia e caga na nossa cabeça, lembramos que a ausência do objeto é
sempre mais inspiradora. E assim vive um escritor.
Isloany Machado, 23/06/2015
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