Tudo
caminhava bem até o último sábado. Havíamos assistido uma apresentação de dança
e, no caminho de volta, enquanto meu marido dirigia, eu passeava em uma rede
social pela tela do meu telefone. Em um instante, me deparei com uma notícia
que dizia: “Adolescentes torturam, arrancam couro a faca e quebram patas de
cadelinha”. Não entrei imediatamente porque sabia que ficaria muito impressionada.
Mas meu marido fez perguntas, queria saber se ela estava viva, e eu acabei
entrando para ler.
Além
do que o título da matéria já dizia, que já era muito, ficamos sabendo que ela,
um filhote de menos de um ano, fora resgatada por duas mulheres que fazem esse
trabalho de resgate a animais abandonados, e que estava viva, mas em estado
grave, internada numa clínica aqui da cidade. Um nó subiu à minha garganta ao
imaginar a dor que ela teria passado e ainda estava passando. O nome dado a ela
foi Vitória. Vitória foi encontrada em estado de choque. A matéria dizia que,
se sobrevivesse, poderia ter uma das patas amputadas.
Tudo dentro de mim revirava agora. E eu já não
era mais a mesma. Algo do Real invadiu meu corpo e fez com que tudo ficasse
diferente. Não. Não é exagero. Isso aconteceu apenas porque eu não conseguia
encontrar palavras que me dissessem o que era aquilo. Eu consigo explicar
teoricamente uma mãe que abandona um filho recém-nascido, sei dizer o porquê de
bandos homofóbicos matarem homossexuais, mas não consigo conceber nenhuma
teoria que explique tamanha crueldade com um ser indefeso, um filhote de
cachorro.
Eu
poderia dar palestras explicando filhos que matam os pais, saberia até mesmo
escrever um artigo sobre o massacre nazista, que eliminou nada menos que seis
milhões de judeus, ou ainda explicar o genocídio que os indígenas sofrem em
nosso país desde antes de 1500, mas nada me dizia sobre massacrar, arrancar o
couro com faca, quebrar as patas a ponto de estraçalhar, uma cadelinha de menos
de um ano de idade. Adolescentes. Seres humanos, pressupõe-se, tendo sangue
frio suficiente para fazer isso com um ser que não podia se defender. Um ser que,
pela minha experiência com cachorros – já que tenho uma surda dentro de casa –
só quer comer, dormir, lamber e pedir colo.
Saber
disso me fez regredir ao imaginário, e desejei, com todas as minhas forças,
massacrar da mesma forma àqueles que massacraram Vitória. Mesmo depois de todos
os estudos e debates e anos e anos de análise para que o simbólico prevaleça,
era o ódio que me consumia. Peço perdão aos meus professores de Direitos
Humanos, mas tive a certeza de que o caos da humanidade é responsabilidade de
cada um. Mas e quanto a ela? O que Vitória tinha a ver com as nossas mazelas? Não
consigo conceber. Não tentem me explicar.
As
moças que fizeram o resgate pedem ajuda para pagar a conta na clínica e dizem
que ela está sobrevivendo. Eu fui ajudar, mas algum pedaço de mim já não é mais
o mesmo. É como se alguma máquina tivesse engolido uma parte qualquer do meu
corpo. Ainda estou chorando por Vitória e só me conformarei quando souber que
ela está bem, na medida do que poderá restar dela, balançando o rabo e sendo
cuidada por algum ser humano que possa respeitar sua dor, que não se apagará
nem para ela e nem para quem olhar para a cicatriz enorme que ficará, pela
falta do pedaço de pele que foi arrancada do seu corpo, e para a pata que
existirá só na memória.
Para
mim, jamais existirá teoria que explique isso.
Esta é Vitória:
Isloany Machado, 01/06/2015
Islo, parabéns pelas palavras!!!
ResponderExcluirTodos estamos indignados com isso! É uma covardia!!!
Bjs
Zezão Vet