Nunca
imaginei que seria mãe de menino. Na verdade, devo confessar que até uns dois
anos atrás, nunca imaginei como era ser mãe. Não que eu não quisesse, mas a
possibilidade não fazia parte dos meus pensamentos. Eu sou exatamente aquele
tipo de pessoa que segura uma criança no colo a uma distância de pelo menos
meio metro, não por aversão, mas por falta de jeito. Desde que meu sobrinho
nasceu, escrevi cartas pra ele sobre o desamparo humano, para que possa ler um
dia, porque acho que sou melhor com as palavras do que com a vida real.
Mesmo
com toda essa dificuldade, meses atrás descobri que estou grávida. E por mais
que se queira e se tente e todos digam que a vida muda depois dos filhos, não
há como sentir o que é isso antes de dar de cara com os fatos. Claro que a
minha experiência, por mais que talvez se pareça com a de mais alguém, é minha
somente. Quero dizer que esse texto não é para dizer como as pessoas se
sentirão ao passar por isso, é sobre como eu me senti.
Todos
os que leem meus textos ou me conhecem de outra forma, sabem que não sou muito
romântica, digamos que estou mais pra azeda, por mais que isso seja difícil de
admitir. Nunca acreditei na naturalidade do amor materno. Mas acredito sim, e
muito, no desejo materno. E que raios isso quer dizer? Ora, não há nada na
chamada “natureza humana” que determine a espontaneidade e obviedade do
nascimento de um amor oceânico e incondicional quando uma mulher se torna mãe.
Não??? Perguntarão alguns, de olhos arregalados. Não, respondo com um suspiro.
O
que há entre humanos é sempre da ordem do desencontro. Um disse uma coisa e o
outro entendeu outra. Um amou de um jeito que para o outro era insuficiente. Uma
mãe cuidou de um filho com tudo que julgou ser o seu melhor, mas para ele não
foi suficiente. Depois que entendemos isso, não há como pensar que todas as mulheres
exalam puro amor quando descobrem que serão mães, ou quando se tornam de fato,
quando do nascimento do primeiro filho. Se assim fosse, as mulheres que têm
depressão pós-parto, daquelas desgramentas que as fazem querer fugir de casa,
teriam que ser vistas como monstras.
Aliás,
nossa sociedade ainda vê como monstras ou psicopatas as mulheres que abandonam
os filhos logo após parirem-nos. Claro que jogar um recém-nascido pra morte,
com tanta gente querendo adotar, é criminoso, porque estamos falando de um ser
que já tem direitos, como o de viver, por exemplo. Mas não necessariamente uma
mulher seja um ser extraterrestre por não desejar ou até mesmo sentir ódio
mortal de um filho. É humano.
Como
psicanalista, nem poderia pensar na possibilidade do amor materno ser da ordem
do natural. Como psicanalista só posso pensar no desejo materno, este famoso
capaz de devorar a criança a tal ponto de Lacan dizer que era preciso enfiar
uma estaca na boca da mãe crocodila. Este desejo é daqueles que se constrói,
com pitadas de dedicação, tempo, e uma sensação incrível de estar gerando um
ser dentro da barriga. Quando eu era criança, ficava encantada quando minha
cadela pegava cria e eu via a barriga mexendo. Ficava imaginando os
cachorrinhos na explosão da vida, dançando no útero e se preparando pra viver
do lado de fora.
Agora
que estou grávida não vejo a hora de sentir o bebê mexer, pra que eu seja pura
existência bruta, como minha cadela, deitada e deixando a vida tomar seu rumo
dentro de mim, com e sem o meu controle. Com o meu controle porque eu quis e
quero este bebê. Sem meu controle porque ele cresce e se desenvolve
independente do meu desejo. Meu desejo só basta para que ele continue ali,
dentro de mim. E não foi de ontem pra hoje que fiquei como uma cadela, no bom
sentido, esperando que ele se mexa.
Quando
fizemos o teste de farmácia, não quis fazer sozinha porque não queria passar o
dia sozinha com a notícia. Foi bem como eu imaginei. Ao ter o sinal de
positivo, nos olhamos e não sabíamos o que fazer com isso. Era noite e não
podia agendar médico, não podia sair na rua gritando, não podia comprar o jogo
de quarto naquela mesma hora...até porque nem seria prudente. Não queríamos
contar pra família na mesma noite. O pai passou a noite em claro, eu dormi como
uma pedra. Ficamos felizes, ainda que em choque. Não sabíamos se o certo era
nos abraçarmos ou chorarmos.
Particularmente
ficava tentando puxar pela memória as cenas de filmes e novelas que contavam
sobre a reação ao se descobrir uma gravidez. E aquele abraço terno e cheio de
segurança que os casais se dão na TV, como se soubessem exatamente o que fazer
a partir dali, não rolou. A sensação que tive foi a de ter entrado num limbo do
tempo, do tipo AH! A VIDA VAI MUDAR!! MAS QUANDO? AGORA? NÃO. JÁ CHEGAMOS? NÃO.
E AGORA, CHEGAMOS? AINDA NÃO.
Foi
assim que me senti nos três primeiros meses. Fiquei numa bolha e até mesmo a
escrita me escapava. Senti enjoo de tudo, de todos os cheiros do mundo. De todas
as comidas do mundo, dos perfumes do universo. Senti enjoo da tela do
computador, onde tentava escrever e, pasmem, senti enjoo dos livros. O que me
restava? Quase nada. Ou seja, vegetar, trabalhar e sentir o mal-estar do corpo
sob o efeito da tal progesterona, e esperar – o que pra mim é bem difícil.
A
tal progesterona é o hormônio que faz com que tudo aconteça. Eu sei, “é lindo”,
como diziam minhas amigas, mas ele causa enjoo, te deixa com as juntas moles e
o cocô duro. Mas sim, “é lindo”. É no que eu tento acreditar. No começo, você só
sabe que está grávida por causa dos efeitos da progesterona, porque seu peito
dói e porque viu seu bebê na ultrassom. As mudanças no corpo são mínimas. Você não
tem barriga ainda e se sente mal de pegar a fila preferencial, mesmo que esteja
quase morrendo. As amigas que já são mãe dizem: “Amiga, curta esse momento, ele
é lindo”. E você se agarra nessa ideia quando está vomitando alguma coisa verde
que não lembrava de ter comido.
Eu
precisaria de outro texto para dizer as coisas que as pessoas dizem e que são
muito engraçadas, mas uma que é demais e que você aprende a sentir é o paradoxo.
Até então eu só sabia o que era paradoxo nas construções frasais em meus
textos, mas agora sei o que ele é na carne. As amigas dizem: “Dá muito trabalho;
eu não durmo; tenho mais estrias; faço xixi na roupa; é uma loucura; meu peito
caiu; não consigo fazer mais nada; não trepo mais com o marido...mas não já
nada melhor na vida do que quando vejo o sorriso do meu filho”. E eu de fato
sinto que é verdade. Ainda não sei como é ver o sorriso do filho, mas sei que
mesmo tendo enjoo, dor nos peitos, cocô duro, pernas inchadas, xixi a cada
cinco minutos, nada tira de mim a sensação boa de saber que dentro de mim está
um pequeno milagre. Isso é um paradoxo.
Agora
os enjoos já se foram e a barriga começa a aparecer. E mães construídas e
possuídas pelo desejo materno como eu, querem fazer tudo certo: acompanhamento
nutricional, atividade física, horas suficientes de sono, leituras de livros
sobre a gestação, cursos de gestantes, aplicativos no celular, etc. Mães como
eu são meio neuróticas, para ser mais exata, são histéricas, contestam o saber
médico, inclusive. Para quem ainda não percebeu, sou histérica da estrutura ao
acabamento. Isso faz de mim uma mãe melhor ou pior? Não sei. Ainda saberei. Mas
por ora, nas horas vagas fico deitada no sofá, esticada, como minha cadela da
infância, esperando que ele se mexa.
*Terei
que escrever outro texto para dizer sobre como foi ao descobrir que era menino.
Não coube aqui...
Isloany Machado, 01/05/2015
Amei seu texto, pq comigo tá sendo quase tudo assim, incluindo o enjoo do computador, excluindo o vômito verde. Minha bb não foi conscientemente planejada, mas veio no fim do processo de construção do meu TCC sobre maternidade e intervenção precoce na psicanálise. Incrível como a psicanálise mostra o óbvio, óbvio q muitos preferem por conforto, ignorar. Viva nossa histeria! Viva nossos bebês! Viva a cada um de nós!
ResponderExcluirLindo lindo, muito bom ler esse texto dia das mães. Parabéns pelo bebê Isloany😍
ResponderExcluirLindo lindo, muito bom ler esse texto dia das mães. Parabéns pelo bebê Isloany😍
ResponderExcluir