Um
dia ouvi falar que nós não escolhemos nossas profissões, mas somos escolhidos
por elas. Fiquei pensando no por que da Psicologia e da Psicanálise em minha
vida. Tá certo que sempre fui uma pessoa “perguntadeira”, lembro que na
infância, meu livro favorito contava a história de Glorinha, uma menina que queria
saber o porquê de tudo. O livro se chamava “A curiosidade premiada”. Não o
tenho mais, ele se foi junto com muitas de minhas memórias de menina. Mas se
foi fisicamente, porque eu ainda lembro da expressão
facial de Glorinha e de sua expressão
favorita: “Por quê?”
Também
devo admitir que sempre fui uma criança angustiada, e também ansiosa. Roía as
unhas até o sabugo, sob protestos de minha mãe e de todos os que ficavam mais
do que cinco minutos perto de mim. É difícil confessar, mas enquanto eu tinha flexibilidade,
atacava inclusive as unhas dos pés. Não tinha nojo, o pé era meu. Ainda é. Sempre
achei que faltava alguma coisa, uma peça do quebra-cabeça da vida. Quando alguém
tentava me convencer de alguma verdade que me parecia absurda, eu perguntava
sempre o porquê e, diante de sentenças que não permitiam argumentação, eu tinha
siricoticos. Quase desmaiava. Foi assim por um bom tempo.
Carreguei
para a adolescência a ansiedade – qualquer um pode ver nas fotografias mais
antigas que mostram meus dedos cabeçudos de tanto serem roídos. Carreguei também
a angústia de viver. Só depois de muito tempo aprendi que essas coisas tinham
nome, fato que não aliviou em nada o sentimento. E eu agradeço infinitamente
por ser angustiada, por querer sempre perguntar. Acho que essa angústia move a
mim, e a quem quer que seja, para que acorde todos os dias, saia da cama, tome
banho e saia por aí, perguntando. Se não fosse isso, essa fonte de “energia”,
talvez não conseguíssemos sair da cama.
Por
outro lado, há alguns que tristemente são engolidos por uma angústia tão
avassaladora que desistem das perguntas e passam a engrossar a fila dos
depressivos. Aqueles que têm experiência clínica sabem o quanto é difícil a
permanência em análise daqueles que desistiram da angústia questionadora. A expressão
facial é diferente, é abatida e, muitas vezes, entregue. Depois do “acidente”
de avião em que o co-piloto teria propositalmente lançado mais de cem pessoas
para a morte, acho que nunca ouvi tanto a Psicologia sendo aclamada. Será que
está chegando a hora de levarem nossa profissão a sério? Será que assim a
depressão parará de ser considerada “frescura”, muitas vezes até pelo próprio
sujeito, que reluta tanto em falar de seu desejo diante de um analista?
Parece
que fui escolhida primeiro pela angústia perguntadora, depois achei que a
Psicologia me daria uma boa maneira de trabalhar com isso. Quando encontrei a
Psicanálise, soube ali mesmo que havia a falta e que é por isso que as
perguntas não podem parar. Quando paramos, morremos. Ainda que não fisicamente,
morremos diante de nosso desejo. Mas já ouvi casos de pessoas que morreram de
depressão. Parece que isso mata. Assim, a Psicanálise escolheu a mim para que
eu me mova sempre por minhas perguntas. E confesso que uma das coisas que mais
me deixa feliz em meu trabalho é quando entra pela porta um angustiado. Não que
eu seja uma sádica que goste de ver os outros sofrendo, mas sei que ali está o
primeiro passo para se descobrir que essa falta pode ser suportável. Eu diria
mais. Eu diria que dá pra se fazer algo com ela. Escrever, por exemplo.
Há
anos parei de roer as unhas dos pés e das mãos, mas fica sempre uma cosquinha
dentro de mim, denunciando que algo está fora de ordem. Ainda bem, pois se tudo
estivesse em ordem, eu morreria para talvez renascer no caos. São os
angustiados que não desistem de mudar o mundo, ainda que ele se resuma à famosa
casca de noz.
Isloany Machado, 08/04/2015
A angústia é um tema que me tem feito questão nos últimos meses. Bom ter encontrado esse texto, que fala, dentre outras coisas importantes, da sua experiência com ela. Obrigado.
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