Primo,
Quantas
vezes já te disse que, depois que você voou para o nunca mais, eu comecei a
escrever? Vou te contar certinho como foi. No dia em que recebi a notícia de
sua partida, eu estava lendo um livro da Clarice Lispector que se chama Água Viva. Sabe, é um livro que queima a
gente, porque a vida queima, a vida dói. E bem nos dias eu soube que você
decidiu ir embora. A literatura me ajuda a sarar as dores da vida, então, não
sei o que teria sido dos meus dias se não soubesse que a dor não era só minha.
Eu senti uma “solidão destampada”, termo de Manoel de Barros para dizer como é
a morte. Senti uma dor rasgada, mesmo que já estivesse longe de você há tempos.
Poxa, houve momentos que vivi com você que compuseram a música da minha vida.
Seu narigudo filho de uma mãe.
Não
foi por acaso então, que hoje peguei o livro de novo. Porque me deu uma saudade
de você. Saudade do que não vivemos. Me senti encarquilhada de saudade. Uma dor
encurvada, seu idiota. Desde que você foi embora, tenho tentado resgatar alguns
pedaços rasgados da memória e a literatura me salva, porque é ficção. Reli uma
parte do Água Viva que me ajudou a
entender algumas coisas: “Ah viver é tão desconfortável. Tudo aperta: o corpo
exige, o espírito não para, viver parece
ter sono e não poder dormir – viver é incômodo. Não se pode andar nu nem de
corpo nem de espírito”.
Pensando
em você hoje, quis te escrever, e só depois lembrei que seu aniversário está
próximo. Depois de amanhã. Veja o que é o inconsciente. Me fez lembrar que você
criou asas aos 30 anos. Exatamente a idade que eu completei ainda a pouco.
Voamos juntos. “Viver parece ter sono e não poder dormir”. Você dormiu? Podia
ter aguentado firme. Por que você dormiu? Ficar de olhos abertos estava pesando
demais, não é meu querido? Como é esse sono? Será que você pode me ouvir?
Entendi porque me visita à noite, nos sonhos, no inconsciente. É aí que você
está agora. “Aonde está você agora além de aqui dentro de mim?”.
Durma
meu querido. Se o sono era tão grande, pode dormir. De minha parte, continuo
brigando com ele, e brigarei sempre, até que meu corpo esteja tão velho e
cansado que não possa mais. Ainda que desconfortável, ainda que com dores no
corpo, prefiro assim.
Isloany
Machado, 14 de outubro de 2014.
P.S.:
Você é um filho da puta.
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