Ele
vivia sozinho, rodeado por suas ideias e ruminações mentais. Ela, solteira e
doida pra ser o que falta a alguém. Uns amigos em comum achavam que poderia ser
uma boa coisa colocá-los para duelar, digo, dialogar.
De
encontro marcado, ele decide comer uma paçoca antes de ir ao encontro, que será
dali a meia hora. Ela, inibida, bebe meia garrafa de vinho para soltar as
pregas do recalque. No restaurante, ele a vê chegando e, segundo sua fantasia,
a moça tem cintura fina, cabelos longos balouçantes ao ritmo do ventilador de
parede, vem com os lábios entreabertos e a cabeça levemente projetada para
cima. Ou será que tudo isso é pela falta dos óculos, esquecidos sobre o
aparador da sala?
Antes
de chegar na mesa em que ele espera, ela vem com seu salto 15 que não sabe
usar, mas quer impressionar, afinal ela tem pressa. Já passou dos 35 e, se seu
pai não lhe deu um filho, alguém tem que dar. Ela vem mancando. E nesse minuto
em que manca pela primeira vez, os olhos dele se fazem cativos. É ela! Por
outro lado, a paçoca que ele comera antes do encontro ainda estava entreposta
naqueles lindos dentes, e ela não pôde resistir. No primeiro oi, o leve odor de
álcool que exalava da boca daquela mulher e os feixes de paçoca a coroar os
dentes dele, foram o suficiente para profetizar uma paixão fulminante.
Depois
de algum tempo conversando, ou melhor, falando de psicanálise, já um pouco mais
descontraídos, descobrem que estão muito à vontade um com o outro. E desde que
chegaram não paravam de pensar, excitadamente, em qual seria a estrutura do
outro. Não se enganem, isso é critério para se engajar ou não num
relacionamento. Ela dava toda a pinta de ser uma histérica. O próprio falo
ambulante. E num momento de descuido, ele diz:
- Como uma boa histérica, você me deixou
com mais vontade de saber.
-
Ah, para de me diagnosticar!
- Isso não é um diagnóstico, é um
elogio, para dizer que você é um anzol.
- Ao que parece, nessa relação eu estou
do lado feminino e não do lado fálico. Não sou nada mais que um anzol para um
peixe.
- Um anzol com semblante de objeto a. É sucesso
na pescaria, na certa.
No
final da noite, ele fez questão de pagar a conta, sob os protestos da moça. Mas
disse a ela:
- Agora você me deve, e não é pouco.
- Não posso ficar em dívida com você.
- Por que não? O negócio é ir pensando
em como vai me pagar. Tantos ratos tantos florins.
- Mas pensar não paga!
- Você não é obsessiva, então terá que
pagar mesmo.
- Quem te disse que não sou? Você não é
meu analista!
- Aposto meu falo como é histérica.
- Mas que falo? Você não tem!!
- Ahá, o teste de histeria deu positivo!
Até torci pra uma estrutura perversa da sua parte mas...
- Eu posso ser psicótica!
- Não, nenhum psicótico saberia brincar
de ser psicótico. Metáfora não tá acessível pra ele. Teste de histeria já deu
positivo, no máximo uma perversão bem encenada. Mas aí não tem problema.
- Está bem, você venceu...
- Merda!
- O que foi?
- Com essa sequência de respostas
obsessivas, voltei pro zero.
- Sabe que esses dias fiquei devendo R$
2,00 num correio? Quase sentei num tonel de ratos.
- Eu adoraria...
E assim, dividiram o táxi até suas respectivas
casas. Dizem por aí que estão juntos até hoje, transando com a’língua.
Isloany Machado, 01 de outubro de 2014.
Sou admiradora da psicanálise, são relatos como esse que deixam o mundo mais interessante. Discussões intelectualizadas que ao contrário do que pensamos acontecem a todo momento. Parabéns pelo texto! Raquel
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