Hoje fiquei emocionada como não ficava
desde que comecei a dirigir. Eu já havia desanimado, desistido da humanidade
nos corações das máquinas humanas sobre quatro rodas. Quase todos os dias
levando uma buzinada, meus ouvidos já estavam ficando calejados. Deixei as
unhas crescerem para me defender, caso haja luta corporal no meio da rua. Sem
querer comecei a mostrar os dentes para os meus amiguinhos no trânsito. Os
cabelos arrepiados como de um leão no meio da selva, assim estava eu. Primeiro
não conseguia respirar enquanto dirigia, depois não conseguia pensar, agora me
sinto no meio da selva móvel.
Hoje,
enquanto esperava o sinal ficar verde, o ser de cabeça corpo e rodas que estava
à minha frente furou o vermelho e foi embora. Vagarosamente fui chegando mais
perto da faixa de pedestres. Imediatamente, o cabeça corpo e rodas atrás de mim
deu uma buzinada, como quem diz: “anda sua pateta! O sinal já abriu, por que
não moveu esse seu traseiro metálico daí?”. Mas o sinal ainda estava vermelho,
então olhei pra trás e arreganhei os dentes, emiti um som talvez como: grrrrr.
De repende, uma mão saiu pela lateral do carro e fez um sinal de pedido de paz
seguido de um joinha. Virei pra frente.
No próximo semáforo, o
cabeça corpo braço e rodas parou ao meu lado. Ele me olhou nos olhos e disse:
“Desculpe, buzinei sem querer”. Eu disse: “Tudo bem, acontece”. Meu coração
ficou enternecido e, mesmo não acreditando que tenha sido sem querer, fiquei
emocionada porque foi a primeira vez em meses que alguém falou comigo no
trânsito. Eu olhei pro lado e descobri que os carros falam, não só buzinam, se
batem e xingam, mas falam! O mundo ficou colorido de novo. E comecei a
acreditar em algumas melhorias pro trânsito. Pensei que poderíamos inventar
formas de nos comunicarmos para além das buzinadas, sinais de luz, joinhas.
Francamente, isso é muito pobre.
Vejam, quando alguém
está bravo, dá uma buzinada longa. Quando quer alertar, duas buzinadinhas
curtinhas. Quando quer que o outro ande logo que o semáforo já abriu, uma
buzinada média. Com os sinais de luz é mais pobre ainda. Pra tudo se dá duas
piscadinhas de farol alto: vá amigo, pode fazer seu cruzamento que eu espero.
Amigo, fica esperto que tem polícia logo à frente. Amigo, seu farol está
apagado. Amigo, espera aí que eu tô passando. Amigo, abaixa aí esse farol que
eu tô quase cego, seu filho da mãe! Enfim, fico perdida. Não consigo
decodificar. A única coisa que consigo fazer quando me dão duas piscadinhas é,
como um bicho, erguer as orelhas.
Outra melhoria que
pensei para o trânsito tem a ver com as tecnologias. Em todos os semáforos, as
pessoas ficam paradas e mexendo no smartfone. A gente sempre acha que as coisas
como estão são ruins e que não podem piorar. Me explico. Antes de inventarem os
smartfones com seus aplicativos de bate-papo, uma época em que eu não dirigia
ainda, lembro que enquanto as pessoas esperavam o sinal abrir, ficavam tirando
meleca do nariz. Eu achava nojento, mas era melhor isso do que ter um índice
tão alto de acidentes e brigas no trânsito por causa do Whatsapp. Parece que as
pessoas eram mais bocós com seus dedões enfiados nos narizes, mas causavam
menos acidentes. Algumas mulheres, finas e educadas, aproveitam o tempo no
semáforo para retocar a maquiagem. Eu aproveito o tempo pra pensar bobeira. Ai
que tempo precioso!
Isloany
Machado, 15 de agosto de 2014.
Tem o aplicativo Waze que é para otimizar a comunicação no trânsito. Cooperação entre os motoristas, talvez você possa gostar.
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