Outro dia estava andando sem compromisso
entre as prateleiras de uma livraria e corria os olhos aleatoriamente, parando
em algum título que me chamasse atenção. Às vezes gosto de ver palavras, sem
necessariamente lê-las. Faço ponte direta pro inconsciente, mas elas sempre
voltam em sonhos e lapsos, me fazem felizes. Quando uma palavra entra, sinto
cócegas nos olhos. E nesse correr de vistas, meus olhos pararam na capa de um
porque li e, numa fração de segundos, pensei: não pode ser esse nome, que nome
curioso! O livro se chamava “Manifesto do Partido Consumista”. Parei
imediatamente. Li de novo. Vi que tinha cometido um equívoco. Lá estava o velho
e bom “Manifesto do Partido Comunista”. Depois de comer tantas palavras com os olhos,
estes bandidinhos me enganaram.
Como gosto de pensar bobagem, logo imaginei como seria um Manifesto do Partido Consumista. E fiquei tentando entender por que o consumo pulara na minha frente. Havia tantos livros de auto-ajuda, de segredos e de segredos dos segredos, de queijos, de estrelas, de muitos tons de cinza, de milionários ensinando como se tornar milionário, de como ser de marte enquanto os homens são de vênus, de...ai, cansei. E de repente, no meio daquela montanha de livros, lá estaria ele: meu suposto Manifesto do Partido Consumista!
Fiquei
pensando em todas as coisas que as pessoas compram sem que necessariamente
precisem. Na verdade, no manifesto consumista não se trata de necessidade, isto
é, eu não compro um objeto porque preciso dele, não é algo que me falta, ao
contrário, os objetos são promessas. “Faça suas batatas fritas sem óleo e tenha
uma vida mais saudável!”; “Compre uma escova de cabelo que nem precisa do
esforço do seu braço! Ela seca e escova ao mesmo tempo, não é o máximo?”;
“Compre essa máquina de fazer suco, onde você enfia o alimento com casca e tudo,
mas só usará uma vez, porque, apesar de não ter o trabalho de descascar antes,
você nunca mais conseguirá lavá-la! É ou não é totalmente excelente?!”. Os
objetos são promessas de uma vida feliz, por isso compramos. “Use roupa tal e
tenha todos os homens a seus pés!”; “Tenham carro tal e tenham todas as
mulheres de quatro (literalmente) por você!”. E temos mais um manifesto
utópico, de um mundo que nunca existirá.
Dias
atrás, meu marido me contava que usou uma pasta de dente emprestada do colega e
a pasta “era muito louca, azul fosforescente e a espuma, ao contrário de todas
as outras, não era branca, mas azul. Era uma pasta para branquear os dentes”,
me disse ele em conclusão. Eu, com meu espírito de porco, perguntei:
- E branqueou?”
- Não.
Rimos durante alguns
minutos da pasta branqueadora azul que não branqueia, mas a espuma é azul. Eu
não ligo pra sapatos, bolsas, brincos, etc, mas confesso que tenho dois objetos
que não compro por necessidade, mas por promessa, como uma boa seguidora do
Manifesto Consumista: Livros e batons. Livros porque meu pai dizia que tinha
que ler, tinha que estudar, tinha que saber, fazer mestrado, doutorado...ai,
cansei. Mas acabei pegando gosto. Batons porque pra mim significam o que é ser
mulher, de certa forma. Minha mãe sempre usava o mesmo batom, obviamente
proibido pra mim por ser criança, menina. Eu achava lindo o batom. Agora compro
não pela necessidade, mas pela promessa de encontrar aquele batom perdido da
infância, da promessa da feminilidade, da sedução.
O consumismo casa bem
com a eterna promessa de reencontrar aquele objeto perdido da infância. Às
voltas com isso, tornei a pensar em como seria o Manifesto do Partido
Consumista, e só consegui pensar naquele finalzinho que apela, faz um chamado
no Manifesto Comunista. O Manifesto Consumista teria que terminar assim:
Os consumistas
proclamam abertamente que seus objetivos só podem ser alcançados pela derrubada
violenta de toda a inflação e todo IPI existente. Que todos os comerciantes tremam
à ideia de uma revolução consumista. Temos um mundo a comprar.
Consumistas de todos os
países, uní-vos!
Isloany Machado, 15 de agosto de
2014.
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