Outro dia estava pensando em como sou
feliz por ser psicanalista, por atender as pessoas no consultório, mesmo que
alguns digam que deve ser terrível passar o dia escutando problemas dos outros.
A maioria das pessoas acha que o saco do psicanalista fica cheio de tanto
sofrimento alheio, de tanta lamentação, de tanto choro, etc. No final do meu
dia de trabalho fico, às vezes, com dor nas costas por ficar muito tempo
sentada, mas muitos dias saio com a “alma” tão leve que quase poderia voar. E tenho
no peito uma sensação tão boa, que parece que vou explodir. E muitas vezes eu
vou embora pra minha casa com vontade de cumprimentar as pessoas na rua, sem
mesmo conhecê-las.
Dias
atrás, assistindo o seriado Psi, meu marido comenta: “Deve ser muito fácil ser
psicanalista, é só jogar a pergunta de volta pro paciente!”. Parece fácil
mesmo. Então, por um lado, enquanto algumas pessoas acham que ser psicanalista
é um fardo, que só escolhe essa profissão quem gosta de ouvir problemas e dar
conselhos, por outro, muitos dizem da moleza que deve ser ficar sentadinho o
dia todo, com ar condicionado, jogando as perguntas de volta pro paciente. Então
devo dizer que não se trata de uma coisa nem de outra. “Que sabonete essa
psicanálise hã? Ela nunca é?”. Também já ouvi isso.
Mas
talvez eu esteja falando da minha relação íntima com a psicanálise quando digo
que saio do consultório de alma leve. Não sei. O fato é que nem por isso é
fácil. Lacan propôs em sua teoria, que o psicanalista deve ocupar o lugar de
objeto a, ou seja, objeto causa de desejo do analisante. Esse é o chamado
discurso do analista. Que diabo é isso? Bem, parece confuso, mas não é. As pessoas,
na maioria das vezes, procuram um psicanalista, ou outros profissionais da área
clínica, porque têm algum sofrimento. Esses dias, ao perguntar a uma pessoa que
me procurou, o motivo de sua vinda, ela disse: “Bem, se venho é porque tenho
problemas!”. Ora, parece que isso é óbvio. Ninguém vai ao psicanalista pela
primeira vez pra contar que ganhou na loteria. Mas então de que se trata?
Vejamos,
todos temos problemas. Mas para entrar em análise é necessário algo mais. Está bem,
eu tenho um problema, isso é a minha queixa, mas quando eu começo a perguntar
qual é a minha participação nisso? Aí temos uma demanda de análise. Aí temos um
sujeito que sabe de sua responsabilidade de si, de suas escolhas, e de seu
sintoma. Voltemos ao discurso do analista.
Se
alguém me diz que tem uma questão, um problema a ser resolvido, e me pergunta o
que deve fazer, minha resposta determinará quem sou eu. Diga-me o que respondes
e te direi quem és. Quem responde, ocupa o discurso do Mestre, daquele que sabe
e ponto. Mas talvez não importe aqui dizer quem é aquele que responde, mas sim,
dizer que o psicanalista não responde, ou ainda, não deve responder. Ora, e por
que não? Obviamente porque não sabe a resposta! Trata-se de lógica. A questão é
do outro. Foi construída por ele. É ele que sofre. Por que raios o psicanalista
deveria dar a resposta? Quem sabe é o sujeito, mesmo que não saiba que sabe,
mesmo que leve anos para encontrar sua resposta.
Sim,
mas então o psicanalista não responde e o que o paciente faz? Levanta e vai
embora, em busca de alguém que lhe diga o que fazer? Isso seria o fracasso
total da psicanálise. Não teríamos pacientes, nevermore. Nem todos, mas muitos ficam, e voltam durante anos a fio,
e repetem e recordam e elaboram, e sonham e atuam e não acaba nunca, mesmo
depois que acaba, porque o inconsciente é um universo. E então o que faz com que
fiquem e voltem e...? O desejo de saber, causado pelo objeto a, lugar ocupado
pelo analista em seu discurso de não responder. Ou, como prefere dizer meu
marido, de jogar as perguntas de volta pro paciente. Ah, isso é moleza!
Vou
dizer, e que fique bem claro que estou falando da minha experiência, que não
tem nada mais difícil do que não responder. Ser objeto causa de desejo é algo
que exige anos e anos de análise, de supervisão e de estudos teóricos. Estamos falando
do famoso tripé, estabelecido por Freud. Vou tentar deixar mais claro. Às vezes,
quando um paciente está chorando muito dolorosamente porque a morte levou
alguém que amava, sinto uma vontade de levantar, pegar um lenço e enxugar suas
lágrimas. Alguém poderia perguntar o que tem de mais nisso? Um analista não
pode ter um gesto de compaixão? Ora, não se trata disso! Às vezes, tudo o que o analisante quer é poder chorar! E vou eu secar suas lágrimas, como quem diz “pare de
chorar”? Isso todas as pessoas já lhe dizem todos os dias: “Veja, sua perda já
aconteceu há mais de dois anos, já está na hora de parar de chorar!”. O
analista é o ser que nada sabe. Eu não sei sua hora de parar de chorar. Outra questão:
como não chorar diante de tamanho encontro com o desamparo?
Não
responder, ou não chorar junto, ou não enxugar as lágrimas, não quer dizer que
sejamos insensíveis ou imparciais, ou ainda, que não tenhamos compaixão pelo
outro. É justamente porque temos compaixão que estamos lá para ouvir e presenciar,
ser uma espécie de testemunha de seu encontro tão de frente com o real. Mas a
clínica não é só regada a lágrimas. Ouvimos tantas histórias, tantos enlaces e
desenlaces, tantos risos. Muitas vezes nossos pacientes riem dos próprios absurdos
e nós, ah, nós rimos junto. Bom, eu pelo menos rio um bocado todos os dias. Confesso
que às vezes eu rio antes que eles, e daí percebo que de alguma forma se sentem
aliviados por poderem rir também.
Muitas
vezes, torço pelos meus pacientes, bem dentro de mim, escondidinha. Torço para
que aquele amor que ele tanto deseja dê certo. Talvez eu demonstre isso de
alguma forma no tom da minha pergunta: “Esse final de semana eu vi aquela
mulher de quem tenho falado”. Me
conte???!!! “Consegui passar naquela universidade que eu queria”. O
queeeeeeeeeê??? Ah! Que atire a primeira pedra quem nunca fez ou sentiu isso!
Então,
pensando bem, talvez depois de um tempo, ser objeto a nem seja assim tão
difícil. O objeto a é inexistente, e essa inexistência lhe confere o status de
ausente, e essa ausência marca que ali já esteve presente e faz falta. Ah, como
faz falta! O objeto a falha, comete falta. Portanto, o objeto a não é uma rocha
irremovível. O objeto a tem perninhas, tem boca, tem olhos e ouvidos. É só o que
sei: que nada sei.
Isloany Machado, 12 de abril de
2014.
Fonte da imagem: http://blogdogroo.blogspot.com.br/
Delícia de texto!
ResponderExcluirDelícia de texto!
ResponderExcluirObrigada Janaina!!!
ResponderExcluirDemais!!
ResponderExcluirParabéns boa reflexão.
ResponderExcluirAdoro todos os seus textos! Mas esse me ganhou de um jeito inexplicável! Muito gostoso de ler!
ResponderExcluirObrigada a todos pelo carinho!!
ResponderExcluirMe identifiquei muito com você e com sua maneira de escrever... Também passo por dilemas similares na clínica!
ResponderExcluirAchei muito legal a explicação de porque o analista não deve e não pode responder!Nunca tinha entendido por completo.Achei muito esclarecedor!Nunca tinha me passado pela cabeça que meu analista talvez vibrasse com alguma conquista minha.Me emocionei com seu texto!Muito obrigada!
ResponderExcluirPor essas e outras que a psicanálise é fascinante. Belíssimo texto Isloany. Adorei.
ResponderExcluirSe tornou leitura obrigatória pra mim.
ResponderExcluirNossa. ...e vi aqui nesse texto. .. Obrigada e parabéns...
ResponderExcluirAmei! Sou psicóloga e me vi muito em seu texto.
ResponderExcluirParabéns!!!
Como é bom vir a esse espaço.
ResponderExcluirObrigada pelas visitas à minha página!!!
ResponderExcluirObrigada!!!!!! SEMPRE OBRIGADA!
ResponderExcluirBem legal!!!! Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirLindo texto! Expressa bem o que nós psicólogos e psicanalistas também sentimos! Adorei! :D
ResponderExcluirGosto dos seus escritos:simples, claros e diretos. Muito bom!
ResponderExcluirRelendo todos os dias!!
ResponderExcluirQue texto que veio da alma!!
Amei seu blog
Fernanda, muito obrigada pelo carinho. Esse texto está publicado no livro "Em defesa dos avessos humanos".
ResponderExcluirBeijo
Parabéns Isloany, me identifiquei principalmente com a parte "Não há nada mais difícil do que não responder"!!!!
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