Saindo hoje pra ir trabalhar, perto de casa havia uma movimentação estranha que envolvia carros de bombeiros e resgate e sei lá mais o quê. Isso por si já é estranho e junta gente. Mas havia um homem com as mãos na cabeça. Não da forma que se faz quando está sob rendição policial: “Mãos na cabeça!”. Era um “mãos na cabeça” de desespero. A primeira coisa que se pensa numa situação dessas é “alguém morreu”. Nada de “mãos na cabeça” quando se recebe uma boa notícia: “Você ganhou um carro 0 KM no sorteio do supermercado!!”. As mãos se fecham e sobem e descem e sobem, desordenadamente. E os braços querem envolver a primeira pessoa que estiver à frente. Assim se comportam os braços e as mãos de alguém que está para explodir de alegria.
Quando uma pessoa está muito
angustiada, suas mãos se esfregam uma na outra, como que tentando aquecer a
friagem que envolve os dedos, quase que obrigando a sair correndo em disparate,
para acompanhar o ritmo do coração, que bate aos trancos, sem nem saber
exatamente por quê. É o corpo dizendo: “corra baby, corra!”. Nada muito
diferente da reação que se tem diante da paixão, em que o corpo diz a mesma
coisa: “corra baby, corra!”, “fuja baby, fuja!”. E ao correr, mãos se fecham e
braços, angulosamente posicionados na lateral do corpo, nos impulsionam pra
frente. Assim se comportam mãos e braços de angustiados e apaixonados.
Mas diante da morte ou de sua
iminência, há um quê de desarvoramento, que é mais potente que a angústia. As
mãos dormem de olhos abertos. Os braços gostariam de rasgar o vento e sentir
dor. Os dedos querem furar os olhos do tempo. As unhas querem rasgar a carne da
vida, tenra ou dura. Há um eco no ouvido, uma surdez temporária, ária, árida,
ardida. A língua endurecida tal como se fosse aquela peça de roupa esquecida no
varal há dias. Há poeira nos olhos, há um buraco que atravessa o oco do avesso.
E as mãos sobem à cabeça, mas não para tentar consolar os cabelos, já
desalinhados pela dor. As mãos querem pressionar a massa de desamparo que
começa a tentar sair pelos poros. E os braços procuram um rosto conhecido. E os
braços só querem se enroscar em outro peito oco do avesso, pra logo em seguida
voltar à cabeça. É sem fim até que acabe. Mas não acaba nunca.
Na clínica ouço pessoas depois de
suas perdas. E o tempo é outro. Há uma dor curtida no tempo. Há uma dor que se
desfia com cada palavra dita. E é uma dor infinita até que acabe, mas não acaba
nunca. Só perde um pouco a cor. Como aquela roupa esquecida no varal de uma
casa abandonada, há anos. Há uma dor que se desenha no rosto, em algum canto. É
uma linha fina no canto da boca. Eu vi. Por falta de palavras, fico muda. Na
falta de palavras, nada muda. Minhas mãos repousam na almofada. As mãos do
outro lado correm de um lado a outro da outra almofada. E os dedos querem saber
de quantas linhas é feito o tempo que não passa. Com o tempo o ritmo se acalma. Eu fiquei hoje com a sensação de que
não poderia ter escolhido outra profissão. É o que dizem meus braços.
Isloany Machado, 22 de janeiro de 2013.
Isloany, seus textos são lindos, me tocam profundamente! Esse, em especial, fala da dor que tenho sentido há algum tempo. Bom saber que outras pessoas nesse mundo sentem como eu, e melhor, escrevem coisas que não sei dizer.
ResponderExcluirForte abraço,
Nayana Vasconcelos
Nayana, vou te contar uma coisa, uma das grandes satisfações de escrever e publicar é saber que contribuo com cada um de meus leitores. Obrigada pelo comentário.
Excluir