A você que partiu tão cedo.
Meu
querido,
Hoje
faz um ano que você partiu, mas a saudade faz parecer mais.
Nós
tivemos bastante tempo para descobrir coisas juntos, quando brincávamos no
quintal da sua casa durante as férias, lembra? Você nunca foi lindo – a não ser
para a sua mãe – , mas eu me orgulhava de você por outras coisas. Fazia uma
sopa como ninguém, desde muito cedo. Teve que aprender a cozinhar, já que as
mulheres de nossa família nunca foram muito chegadas ao fogão. Você era uma referência
culinária para todas nós. Lembro com água na boca daquele porco assado que fez
na última vez que nos vimos, estava supimpa. Enchia a boca para dizer “eu tenho
um primo que cozinha muito bem”. Esses dias estávamos revirando as fotos
antigas e vi você criança. Fotos de aniversário. Lembra dos bolos tortos que
nossas mães faziam? Rimos disso.
Às
vezes fico tentando imaginar “aonde está você agora, além de aqui dentro de
mim”. Trecho da música do Renato Russo. Você gostava dessas músicas? Não lembro
mais. Por que as lembranças são assim? De repente elas estão aqui e no minuto
seguinte não estão mais. Hoje tentei lembrar o que estava tatuado no seu ombro
esquerdo, não consegui. Era um dragão? Parece que faz um século que não te
vejo. Mas talvez fizesse mesmo muito tempo que não te via. Sempre nos
despedíamos com um “se cuida”, que era você o primeiro a dizer. Eu repetia. Mas
uma das vezes eu disse de verdade, porque sabia que precisava mesmo se cuidar.
Há
uma cena que lembro como se fosse de um filme, mas sabe, não tenho certeza se
me lembro mesmo ou se é um discurso que ouvi e fixou-se como cena. A sua reação
diante do acidente de seu pai. Como é difícil lidar com as perdas né? Perdas
são pedras no caminho. Talvez a gente possa usá-las como degraus, e assim
enxergar mais alto e mais longe. Isso me veio agora, ficou parecendo frase de
motivação. Perdas estão mais para buracos no caminho né? Sabe, eu sempre tive
um jeito estranho de lidar com elas. Naquela vez do acidente, eu chorava
inconsolavelmente no hospital porque seu pai tinha tirado a barba, assim, fiz
de conta que todo o resto estava lá. Todos riram de mim pelo deslocamento. Mas
talvez você não conseguisse fazer de conta. Talvez você sempre tenha encarado a
vida muito “defrentemente”. Sabe, por falar no seu pai, ele está bem, mas posso
ver nele o buraco deixado pela falta que você faz.
Quando
você voou para o nunca mais, eu mergulhei na escrita. Foi o único jeito que
encontrei para tentar ludibriar o real da vida e do tempo. Não pude deslocar,
não pude fechar os olhos, como sempre tenho feito diante de minhas angústias. O
buraco era muito grande, nada o obturava. Tive que aprender a conviver com ele,
assim, passei a escrever sobre ele, fazendo a barra, costurando, para tentar
minimizá-lo. Acho que vou ter que fazer isso pra sempre. Você não sabe a que
ponto isso anda. Escrevi um livro!!! Acho que ia gostar de lê-lo.
Quando
você voou para o nunca mais, a vida de todos nós mudou. Se, de minha parte pari
um livro, minha irmã teve um filho. Todos nós plantamos árvores. Você sabe o
que eu quero dizer, não é? Para todos nós há um antes e um depois. Sua mãe
demorou para se levantar e até agora anda assim meio que de soslaio. Sua irmã,
sempre tão calada, sofreu com o corpo, agora já está melhor. Sua prima-irmã, você
sabe de quem estou falando, fez outras tatuagens. Suas filhas...da última vez
que estive com elas, a mais velha perguntou: “Por que meu pai? Para quem vou
dar a lembrancinha do dia dos pais da escola?”. Eu tentei responder da melhor
forma, você sabe, disse a ela que essas coisas não têm razão de ser e que com o
tempo a dor passa, só ficam a saudade e as boas lembranças. Quanto ao presente
do dia dos pais, sugeri que mandasse para seu pai, acho que ele ia gostar.
Quando
você voou para o nunca mais, eu consegui entender o mal-estar de nossa família.
Será que você sabe do que estou falando? Será que você entendia também? Acho
que não. Será que se eu tivesse entendido antes poderia ter te ajudado, cuidado
de você? Eu estava tão longe. Mas sabe, tem uma coisa engasgada que preciso te
dizer: Vai pra puta que te pariu! Não precisava disso. Ou será que precisava?
Me desculpe pelo desabafo. Percebi que esta pergunta é a de todos nós agora.
Quando
você voou para o nunca mais, eu tentei correr para te alcançar, mas já tinha
batido as asas e eu cheguei tarde.
Isloany
Machado, 4 de fevereiro de 2013.
P.S.:
Sigo dando notícias. Te amo.
LINDO!
ResponderExcluirBelíssima carta! Esse gênero literário me fascina!
ResponderExcluirRealmente, não é por acaso que encontrei seu blog. Muito obrigada!
Com carinho Rosana
Obrigada queridas Maria Inês e Rosana!
ResponderExcluirAbraços