
Olhava o palhaço e estava
convicto de que havia algo de errado ali. Seus pais sentaram-se com ele na
primeira fileira do circo, de modo que pôde olhar cada detalhe. Era a primeira
vez que via um palhaço tão de perto, na verdade aquela figura sempre lhe
causara uma espécie de medo inexplicado, daqueles que chamam fobia. Ninguém
entendia como uma criança podia ter um medo assim de um palhaço, uma figura que
só quer fazer rir. Sentia-se idiota por ter tanto medo. Evitava qualquer
contato. Quando o carro de som passava anunciando a chegada do circo,
escondia-se embaixo da cama durante horas. Seus pais insistiam em levá-lo, pois
acreditavam que um homem precisa enfrentar seus medos desde sempre. Encolhia-se
entre as pernas da mãe e virava o rosto diante da aparição da figura
tragicômica, sentia o peito pular sob a camisa xadrez preferida dele.
Já um pouco maior, pôde sentar-se na primeira
fila e olhar mais demoradamente para ele. O que sentia era algo da ordem de um
vazio, uma coisa que suas palavras não conseguiam alcançar. Há pouco deixara de
ser criança e ainda carregava uma dificuldade grande de pensar seus sentimentos.
Muitas pessoas carregam essa dificuldade sempre. Mas por ter-se mantido firme
na primeira fileira, ganhou elogios de seus familiares, que diziam ser ele um
moço já. Não era mais um medo paralisante, era algo diferente, quase dó em
alguns momentos. Ah, que coisa difícil de definir, achou melhor deixar pra lá. Devia
ser coisa da sua cabeça. No meio do espetáculo o palhaço aproximou-se dele e
ofereceu-lhe uma flor de plástico. Ao final, viu seus amigos tirando
fotografias com o palhaço. Recusou-se ao convite de um deles.
Remexendo nas suas coisas de
infância encontrou a flor de plástico, empoeirada, e imediatamente a imagem do
palhaço ocupou sua memória. Nunca entendera, por exemplo, por que havia uma
lágrima num rosto pálido cuja boca era marcadamente feliz. Como vira de muito
perto, pode notar que o riso era desenhado, não era dele. Por que mentia? Havia
um par de sobrancelhas muito arqueadas dando a impressão de olhos que a tudo
viam o tempo todo. No meio da face um nariz vermelho tão grande que
provavelmente o impediam de ver qualquer coisa que estivesse debaixo de si. Tampouco
podia compreender o fato daquele sujeito usar roupas e sapatos muito maiores do
que os seus pés, sendo que sempre tropeçava neles e caía.
Remexendo nas memórias pôde entender o medo
inicial e o posterior vazio que sentia ao ver o palhaço. Agora que já era homem
feito, podia contar com as palavras em vários momentos, não em todos,
infelizmente. Entendeu que o palhaço era uma caricatura, um exagero do humano.
A lágrima em paradoxo com o riso desenhado no rosto denotava que a felicidade é
um estado inconstante, paradoxal, flutuante, mas que muitos precisam colocá-lo
como permanência. É preciso olhar de perto para notar que um sorriso pode ser
um belo disfarce, mas que a verdade nunca se diz toda, sempre há um resto não
dito. Era pra denunciar isso a mascarada dele. Sobrancelhas arqueadas para
alguém que vê longe e muito, talvez até mais do que gostaria. Um nariz grande
para dizer que muitos homens, apesar da impressão de que tudo veem, às vezes
não enxergam o que está embaixo do próprio nariz. Por fim, as roupas e sapatos
grandes denunciavam que o homem sempre quer muito mais do que precisa, ou
ainda, quer sempre o que não precisa. Mas é nisso que ele sempre tropeça e cai.
Todo este conjunto causava riso nas crianças e nos adultos, mas não causava
nele. Aquelas pessoas riam do palhaço, sem saber que riam de si mesmas. Ele não
ria. Algumas outras pessoas provavelmente também não riam. Sentia algo
diferente e agora sabia que era pena.
Olhou novamente para a flor de
plástico. Uma lágrima correu em seu rosto. Mirou o espelho que estava a dois
metros de si e imediatamente deixou escapar um sorriso, pois agora não tinha
mais medo. Compreendeu perfeitamente que uma lágrima e um sorriso podem
coexistir, pois das incoerências se constitui o homem.
Isloany Machado, 26 de julho de 2012.
Adorei...
ResponderExcluirLindo... só podia vir de uma psicóloga :)
ResponderExcluirGostei!!
ResponderExcluirLembrei de um palhaço velho, cansado e triste...sorrindo. Era um quadro. Ficava na sala de casa e eu o encontrei durante toda minha infância. Lembrei que eu imaginava várias histórias sobre a vida daquele palhaço. Lembrei de algumas. Deu vontade de escrever... Se eu conseguir e gostar, te mando em agradecimento.
Parabéns pelo Blog! Achei bem legal!
Escreva sim Clarissa!
ExcluirObrigada pelo comentário!
Abraço
eu sou muito palhaça....adoro fazer as pessoas sorrir...adoro sorrir...adoro tudo que faz bem a mim a ao proximo...muito bom isloany rs...
ExcluirMuito bom Isloany rs ,pois na vida temos que ser palhaço para sobreviver,rs
ResponderExcluirSensacional!!!!! De palhaço, todos temos um pouco....
ResponderExcluirGosto demais dos seus escritos!!
ResponderExcluirSérgio, Angela, Nayalla e Shirley, obrigada pelo carinho!
ResponderExcluir"A lágrima em paradoxo com o riso desenhado no rosto denotava que a felicidade é um estado inconstante, paradoxal, flutuante, mas que muitos precisam colocá-lo como permanência. É preciso olhar de perto para notar que um sorriso pode ser um belo disfarce, mas que a verdade nunca se diz toda, sempre há um resto não dito."
ResponderExcluirQue maravilhoso, parabéns e continue assim, que todos os amantes pelos seus escritos agradecem haha