Este
ano resolvi me meter com a escrita. Então, no aniversário de cada uma das
pessoas que eu mais amo, o presente foi um texto escrito por mim contando um
pouco de nossa história. O aniversário da minha mãe está chegando e estou às
voltas sem saber o que escrever. Espremi, espremi e nada. Daí pensei que
poderia me inspirar olhando pra fora e não pra dentro. Comecei a observar mães
e filhos em algumas cenas do meu cotidiano. Um dia vi uma menina de uns oito
anos que estava perto de sua mãe no ônibus, a mulher sentada e a filha em pé. A
mulher dizia para a menina que desgrudasse dela.
Em
outra cena, viajando, estavam mãe e filho, um menino de uns cinco anos. Ele
estava sentado no banco da frente e a mulher, no de trás. Em intervalos
regulares ele virava pra trás e olhava pra ela e, ao vê-la expressava um
sorrisinho de alívio. Ela o havia prendido ao cinto de segurança, com receio
que ele caísse. Os olhinhos dele brilhavam ao olhar pra ela. Comparando as duas
cenas, pensei que realmente o amor de mãe não é inato, não se trata de instinto
materno tal como algumas pessoas teimam em afirmar.
Lembrei
de minha mãe e das muitas cenas que carrego comigo. Usarei o verbo no passado
porque são lembranças o de que escreverei aqui. Mas como é difícil falar dela!
Outro dia estava lendo um livro cujo título é uma pergunta: O que quer uma
mulher? Poderia tê-lo lido de orelha a orelha e não encontraria lá nenhuma
resposta. Se houvesse resposta, o nome do livro não seria um belo ponto de
interrogação. Talvez a resposta seja justamente que, para esta pergunta, não há
resposta. E eu fiquei pensando que devo ter carregado este ponto de
interrogação vida afora, se é que ainda não o carrego.
Já
ouvi muitas mulheres e com suas histórias, muitas amarguras na relação com a
mãe e muitos, mas muitos pontos de interrogação implícitos. Eu tenho os olhos e
o nariz dela. Alguns outros traços também. Além disso, o meu nome, este com o
qual aprendi a fazer piada, foi escolhido por ela. Nossos nomes têm o “i” como
elo, justo o “i” que foi escrito errado e ficou sobrando no nome dela. Minha
mãe sempre trabalhou muito, era professora primária desde sempre, ou desde que
eu me sabia gente. Depois de um tempo, quando eu já tinha mais de seis anos,
ela decidiu fazer faculdade, fez História. Lembro da luta diária empreendida
por ela para conseguir conciliar trabalho, estudo, casa, filhos, etc. Eu a
amava e ao mesmo tempo não podia lidar tranquilamente com a medida de ausência
que tinha que suportar.
Um
dia me levou pra aula junto com ela e aconteceu uma cena hilária. No intervalo
comprou um saquinho de pipoca pra mim. Voltamos pra sala e o professor dela,
querendo brincar com a filha de sua aluna, pegou um pouco da minha pipoca sem
me pedir. Fiquei furiosa, lancei a pipoca toda no chão e sapateei. Só lembro
que o professor ficou sem graça e creio que minha mãe deve ter ficado
muitíssimo envergonhada, mas não me recordo da bronca que certamente levei.
Hoje penso que esses eram meios que eu encontrava de me vingar pela falta que
ela me fazia.
Pela
correria da vida, era difícil pra ela me ensinar coisas. Sempre dizia que
aprendeu tudo sozinha na vida. Assim percebi que precisaria dar meus pulos para
aprender tudo o que era importante pra viver, para tornar-me mulher sem que ela
pudesse me dizer passo a passo o savoir-faire.
Mas também sei que ela poderia ter sido colada a mim e mesmo assim eu me
tornaria mulher à minha maneira. Meu pai sempre foi falastrão, verborrágico.
Minha mãe não, era mais calada. Quando fazia alguma coisa errada, meu pai fazia
espatifo sempre, já ela, sempre quando se desagradava com minhas artes, bastava
um olhar enviesado e eu já entendia tudo. Assim nos entendíamos pelo olhar e
aprendi tanto com a filosofia paterna quanto com cada olhar dela, na verdade,
em casa, aprendi com seu silêncio.
Ela
era uma balzaquiana moderna, fazíamos um belo par Júlia-Helena. Seu artifício
de coqueteria era um único batom. Mas aqueles olhos... valiam mais do que qualquer
artimanha. Eu passei a vida a procurar aquele batom, comprei muitos, mas não
consegui encontrá-lo. Ela gastava palavras na sala de aula em que trabalhava,
contava histórias, ensinava português e matemática. Então, pensando e falando
inúmeras vezes em tudo o que aprendi e desaprendi com ela, lembrei de algo que
foi fundamental para a minha história.
Minha
irmã já estava em idade escolar, meu pai trabalhava e eu, que era muito
pequena, não tinha com quem ficar. Depois de algumas tentativas frustradas com
babás, ela resolveu que me levaria junto pra escola. Eu era tão pequena que não
tenho as imagens dessas recordações, então resolvi inventar. Vejo nitidamente
minha mãe com uma pilha de livros no braço esquerdo, o mesmo em cujo ombro
ficava pendurada a bolsa. No direito ficava uma mochilinha com os meus
pertences: alguns brinquedinhos, alguma muda de roupa, fraldas de pano, e não
consigo imaginar o que mais. Na ilharga direita era eu que ia dependurada. Na
sala de aula eu ficava sob a mesa de lata aberta somente onde deveria ficar sua
cadeira de professora. Ela acolchoava o chão e eu passava o tempo todo lá.
Devia dormir também em algum momento. De onde estava eu podia vê-la falando e
falando. Suas palavras caíam como brisa em meu rosto e eu a olhava incansavelmente.
Eu imaginava cada palavra como uma peça de lego que caía sobre mim. Eu pegava
uma a uma e construía castelos, monstros, pontes, muitas coisas, fantasias ou
fantasmas, enfim. E tudo o que eu construía era para ela, justo pra tentar
encontrar a resposta àquela pergunta que sempre carreguei.
Mas
ela persistia, a pergunta. Estou certa de que todas estas palavras ou peças de
lego foram fundamentais pra mim, mas não me deram respostas. Levei cada
construção daquelas comigo. Precisei de muito tempo para recordar que as
montagens de lego eram destacáveis peça a peça, não eram definitivas. Durante
anos montei e desmontei várias vezes de forma que já não sei mais as imagens
originais. O que de mais importante ganhei dela foi esta montanha de peças de
lego cuja montagem ou desmontagem é de minha responsabilidade.
Isloany Machado, 18 de junho de 2012.
Isloany, muito, muito obrigada por este texto!
ResponderExcluirAjudou-me a navegar em águas passadas, revivendo momentos de alegrias junto à minha mãe.... doces lembranças.....
abraço,
Angela Liborio
Amei seu texto! Aborda um tema bem instigante e sobre o qual tenho me debruçado: a relação mãe-filha. Além do mais, foi escrito na data em que nasci, ponto de partida da minha relação filha-mãe!
ResponderExcluirObrigada pelos comentários!!! ;)
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