COSTURANDO
PALAVRAS
Entrevista
concedida ao CRP/MS – publicada na Edição III - 2012
Costuradora de palavras
por opção. Essa é a definição que a psicóloga Isloany Machado faz de si mesma
no perfil de seu blog. Não por acaso, o blog em questão foi batizado de “Costurando
Palavras” (www.costurandopalavras.com.br),
e nele, Isloany compartilha com os internautas questões relacionadas ao
cotidiano sob uma perspectiva diferente, que ela costuma chamar “do avesso”.
Segundo a psicóloga, os textos são contos, ficções curtas e cartas “abertas” à
pessoas que considera importantes, e que fizeram diferença em sua trajetória,
como o poeta da terra, Manoel de Barros.
Além disso, a atividade
como psicóloga, conforme Isloany, a ajuda na escrita. “Acho que de tanto ouvir
histórias e também de tanto falar das minhas (em análise), de ver as histórias
sendo reescritas, recontadas várias e várias vezes, e a cada vez diferente, eu
percebi que podia sair por aí inventando também outros contos”, revela.
CRP14-
Como surgiu a ideia de criar o blog?
Isloany
- Eu
sempre gostei de escrever, mas nunca havia me arriscado a textos que não fossem
sobre teoria, artigos ou outros trabalhos de graduação e pós-graduação. No
início deste ano tive uma perda familiar e nos dias em que isso ocorreu, estava
lendo um livro de Clarice Lispector chamado “Água Viva”. Algumas partes me
chamaram muita atenção e, a partir disso, tive a ideia de escrever um texto
sobre a perda sofrida em conexão com este livro, foi uma forma de aliviar a
dor. Depois disso, comecei a ter outras ideias e então, meu esposo me disse:
“Por que você não cria um blog?”. Inicialmente eu achei a ideia estranha, pois
existem muitos e muitos blogs. Também fiquei com receio de não ter ideias
suficientes para escrever mais, mas não foi isso o que aconteceu, pelo
contrário, tem me impulsionado a escrever mais e mais. Comecei a gostar cada
dia mais de escrever e os textos foram se avolumando, assim, de um grito de
dor, a escrita tornou-se um novo amor.
CRP14
–
Que objetivo você pretendia alcançar
como blog? Tinha em mente atingir um determinado tipo de leitor?
Isloany
- O
objetivo inicial era de escrever textos que tivessem conexão com a psicanálise,
acho que poderia ser uma forma de falar mais levemente de conceitos que às vezes
parecem muito difíceis, e assim divulgar a psicanálise lacaniana fugindo um
pouco da escrita científica. Na verdade, era escrever para reinventar algumas
coisas. Como os textos sempre tinham alguma pitada de psicanálise, o público
que imaginei atingir foi de psicólogos e psicanalistas. Mas como a internet é
um fenômeno pra mim ainda inexplicável em termos de expansão de informações,
alguns textos acabaram sendo lidos por pessoas de outras áreas que vinham me
dizer que gostavam de ler mesmo quando tratavam de coisas específicas de
psicanálise. Muitas ideias começaram a brotar e comecei a escrever outros tipos
de texto.
CRP14
- Como você definiria o tipo de texto que
publica, são crônicas, contos...?
Isloany
- Eu
também me fiz esta mesma pergunta. Daí fui estudar teoria literária e descobri
que alguns são crônicas (a maioria), pois tratam de questões do cotidiano sob
outro olhar, que eu costumo chamar “do avesso”. Outros são contos, ficções
curtas, que pudessem ser adequadas a um blog. Também escrevo cartas “abertas” a
figuras que considero importantes, isso é uma maneira que encontrei de
homenagear pessoas que fizeram diferença na minha trajetória.
CRP14
-
Onde você busca inspiração para escrever
os textos?
Isloany
- Acho
que uma das coisas fundamentais que sempre me deram inspiração é a leitura, que
faz expandir as ideias, aumenta nossa capacidade de “viajar” por outras
possibilidades. Tenho lido desde livros até bula de remédio. A outra coisa é a
percepção de que toda história é inventada, então, posso escrever e reescrever
do jeito que eu quiser, tanto as histórias dos outros quanto as minhas. Como
dizia Manoel de Barros, “tudo o que não invento é falso”. Há também uma
forcinha do inconsciente...tem dias que acordo com uma ideia depois de ter
sonhado alguma coisa. Levanto, saio correndo, lavo os olhos e vou escrever.
CRP14
- De que forma a formação em Psicologia contribui nesse trabalho?
Isloany
-
A formação em Psicologia e, principalmente em Psicanálise que faço participando
das atividades do Ágora Instituto Lacaniano e pelo Fórum do Campo Lacaniano de
MS, me ajudaram a estabelecer um modo de estar no mundo. Isso quer dizer que a
teoria psicanalítica não é apenas uma ferramenta que utilizo para trabalhar em
meu consultório durante o horário de expediente e ponto. É mais do que isso,
creio que seja uma forma de olhar o mundo, pelo avesso. O conceito fundamental
da psicanálise é o inconsciente, que seria aquilo que está nos intervalos da
razão cartesiana, pertence a uma outra lógica, tanto é que Lacan subverte o
cogito cartesiano “penso, logo sou” por “penso onde não sou”, ou seja, é lá
onde não pensamos, onde a razão resvala, que está o sujeito do inconsciente.
Assim, deixando falar esse sujeito do inconsciente é que surgem besteiras
literárias interessantes, a partir deste olhar o mundo pelo avesso da lógica
cartesiana. Tem uma célebre frase de Clarice Lispector em que ela diz querer
verdades inventadas, e eu acho lindo isso, e acredito que tem tudo a ver com o
conceito de realidade psíquica descrito por Freud. Nós seres de linguagem,
somos todos criadores de histórias, as palavras nos permitem isso, criar. E se
nós criamos nossas próprias histórias, podemos também recriá-las,
reescrevê-las. Não é isso um processo analítico/terapêutico? Cito mais uma vez
Manoel de Barros: “escrever, escrever, escrever, até ficar diferente”.
CRP14
- E a atividade da escrita, também ajuda em seu trabalho como psicóloga?
Isloany
- Acho
que é o contrário, a atividade como psicóloga me ajuda na escrita. Acho que de
tanto ouvir histórias e também de tanto falar das minhas (em análise), de ver as
histórias sendo reescritas, recontadas várias e várias vezes, e a cada vez
diferente, eu percebi que podia sair por aí inventando também outros contos.
Mas a atividade da
escrita tem me ajudado sim em outra coisa: no curso de mestrado. Escrever
ficção ajuda a “soltar” as palavras para a escrita científica.
CRP14
- Tradicionalmente, as pessoas não costumam associar a Psicologia com a
Literatura. Você acredita que essa sua iniciativa é também uma forma de fazer a
diferença dentro da profissão?
Isloany
- Um
dia uma amiga me perguntou por que eu achava que havia tantas conexões
possíveis entre a psicanálise e a literatura. Respondi a ela o que penso:
ambas, psicanálise e literatura falam das paixões humanas, ódio, desejos,
sofrimento, entre outras coisas. Por isso é possível fazer tantas conexões. É
claro que a psicologia, ou a psicanálise, são teorias que propõem métodos e
técnicas de intervenção, há uma clínica, trata-se de ciência, mas é a ciência
do avesso. E Freud recorreu muito à literatura para construir sua teoria. Ele
citou poetas em seus escritos, utilizou a história de Édipo para teorizar sobre
o famoso complexo que leva o nome deste personagem, escreveu sobre um livro do
Schreber para falar de psicose. Freud ganhou um prêmio de literatura. Lacan
falou de Hamlet, personagem de Shakespeare, falou também sobre o escritor James
Joyce, dentre outros. Assim, a psicanálise influenciou muito também a
literatura, principalmente da modernista em diante. Então acho que esta
associação não somente é possível como é bastante utilizada.
E eu? Eu não fico
dividida entre psicanálise e literatura, elas não são ciumentas, eu fico
acrescentada por ambas, assim como meu trabalho. Escrevo em prol da
psicanálise, da literatura, e de mim mesma, já que isso tem me ajudado muito a
contornar aquilo que é incontornável. Se isso fizer diferença dentro da
profissão, ficarei bem feliz.
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