O
fato é que encontrei n’A mulher de trinta anos, o fantasma das mulheres belas,
delicadas, finas, femininas e...insatisfeitas. Balzac é mais sutil do que
Flaubert na descrição dos desejos e dos prazeres vividos pela mulher. Não é à
toa que Madame Bovary, obra considerada realista, causou tanto espanto ao ser
publicado. Balzac descreve as mulheres quase que como seres superiores cujo
sofrimento as faz sublimes, pelo jeito Balzac parecia ser daqueles homens que
veem beleza nas mulheres de semblante melancólico. Tenho que confessar que
gostei mais de Ema do que de Júlia. Ema era uma mulher que se envolveu em
relações devastadoras. Júlia, pelo que fica subentendido, também teve lá seus
romances, mas era uma mulher contida. Ema morre de amor, Júlia chega à velhice
e seus sentimentos não são tão bem explorados por Balzac, que se prendia mais
aos aspectos concernentes à sua beleza.
Quando
Flaubert estava em seu julgamento por causa da obra que publicara contando a
história de Ema Bovary, foi interrogado sobre quem lhe teria inspirado tal
mulher. Ao que ele respondeu: “Madame Bovary” sou eu! Fiquei a pensar nisso que
ele teria dito, não sei se é verdade, mas supus que somente alguém que vivesse
essa história na carne seria capaz de tamanha riqueza de detalhes, ou não. Já
não sei mais. Mas fora os gostos pessoais, o que pude notar como fio condutor
desses dois livros foi a questão do sofrimento e da insatisfação femininas. Nem
as balzaquianas e nem as flaubertianas chegaram ao divã de Freud, mas foram
exatamente essas mulheres que o inspiraram a tentar saber de que se trata neste
sofrimento e nesta insatisfação.
Me
lembrei de uma história familiar que ouvi certa vez, era assim. Uma senhora de
aproximadamente 50 anos tinha seis filhas. Estas filhas se casaram e também
tiveram filhos, o fato é que a cada vez que nascia uma menina, aquela senhora
sentenciava: “Oh, meu deus! Mais uma menina pra sofrer nesta vida!”. Os anos
passaram e todas as mulheres daquela família, com uma doce obediência puseram-se
a sofrer por toda a vida. A que dera início a esta tradição familiar já
morrera, mas sempre que nascia mais uma menina, as outras mulheres punham-se a
dizer: “Como diria dona Fulana, ‘Mais uma menina pra sofrer nesta vida!’”. E
assim era a tradição das mulheres desta família.
Depois
que lembrei dessa história, bem como de ter lido dois grandes clássicos que
falam sobre o feminino, depois de ter pensado nas mulheres do divã de Freud, e
nas mulheres da atualidade, pensei que esta insatisfação é algo que as mulheres
carregam há um bom tempo. É preciso dizer que obviamente há fatores sociais
implicados na questão feminina, antes que alguma feminista me condene por
minhas palavras. Mas quando imagino uma balzaquiana e uma mulher da atualidade
vejo tantas diferenças em alguns aspectos, mas tantas semelhanças em outros.
As
balzaquianas viviam às voltas com as obrigações conjugais, familiares, eram,
por assim dizer, presas a muitas convenções sociais relacionadas ao casamento,
que era pra vida toda, não trabalhavam fora de casa como os homens. As mulheres
de hoje trabalham, têm seu próprio dinheiro, muitas não dependem em nada do
cônjuge, estão às voltas com outras questões: diferenças salariais, assédio
sexual no trabalho, violência doméstica, dentre outros. Algumas dependem
financeiramente, mas hoje não estão mais tão presas, por exemplo, à
obrigatoriedade de manter um casamento com o qual não estão satisfeitas. Mas
continuam, por assim dizer, insatisfeitas com outras coisas. Como se aquela
senhora da história que contei fosse uma grande mãe, uma Eva, como na metáfora
bíblica, que lançou as sementes deste sofrimento. É como se mesmo àquelas mais
realizadas, sempre faltasse uma coisinha, que ela denuncia com aquele
traçozinho melancólico tão adorado por Balzac.
Freud
morreu sem saber o que querem as mulheres e Lacan complicou mais ainda a
situação ao dizer que é preciso saber o que quer A mulher, ou seja, é preciso
tentar sabê-lo uma a uma. Isto implica que não há uma resposta para aqueles que
tentarem encontrar a solução deste enigma. A mulher é uma esfinge de mil
cabeças, não há como decifrá-las todas. E elas continuam a dizer com sua
insatisfação: “(não) decifra-me ou te devoro!”. É o mesmo que dizer: “Não me dê
o que te peço, porque não é isso o que quero!”. Balzac disse no século XVIII: “a
mulher possui incontáveis atrativos e oculta-se sob mil véus; enfim, ela
acalenta todas as vaidades”. Como sabemos, não há objeto que satisfaça o
desejo, então aquele que se mete a querer satisfazê-lo, já não será mais desejado.
Com tudo isso, descobri que ler Balzac é um prazer, muito melhor do que tomar
prozac.
Isloany Machado, 14 de junho de 2012.
Só existe uma libido, e ela é fálica. Das/ Weib é um universal, não possui particularidade para ser desejada e sequer estatuto para desejar. Ela é quando muito causa do desejo macho, que deseja em vão. Não há desejo satisfeito. Há quereres que se baldam. Basta! A essa vida besta.
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