*Inspirado no texto "Os ombros suportam o mundo" de Carlos Drummond de Andrade
Chega um tempo em que a
vida é olhada de trás pra frente. Em que algumas ficções parecem absurdas
demais.
Chega um tempo em que
encontramos a ponta da cortina que encobre o real. Depois disso, descobrimos
que somos mortais, estupidamente mortais.
Algumas vezes a cortina
da vida se escancara em nossa frente e nós, desarvoradamente, tentamos puxá-la
de volta. A cada minuto, a cada segundo.
O tempo passa, a poeira
vai ficando cada vez mais grossa nos cantos, entre uma palavra e outra.
Reunimo-nos e tentamos
renovar os sonhos, as crenças, os laços.
Fazemos promessas a nós
mesmos, diante de testemunhas familiares.
F-A-M-I-L-I-A-R-E-S
A cada reencontro
notamos como tudo é tão familiar.
Batemos de frente com
tudo aquilo que é familiar, é velho conhecido, acostumado.
Às vezes é preciso ir
para o estrangeiro, para tentar construir um outro, diferente.
Os laços se revelham
para se renovar.
Relançamos a vida,
dançamos a valsa da infinitude, mas a ponta da cortina às vezes se prende aos
nossos pés e caímos. Mas levantamos, é preciso dançar a valsa até o fim. É um
dever.
Chega um tempo em que
perdemos a fé, mas nem por isso ficamos tristes. As ficções se renovam também,
criamos outras, novas, inéditas.
Acreditamos em algo
para que os que vierem depois não percam a capacidade de criar.
Chega um tempo em que
nossa prece diz pouco, e, sem saber pra quem, pede que nunca percamos a
capacidade de nos reinventar.
Mas até que a prece
fale pouco, o que queremos é que tudo se apresse. Gritamos até que a voz fique
rouca. Dasarvoradamente pedimos que a prece se apresse.
Ao ouvirmos os ecos de nossa voz, aprendemos
então a nos reinventar. Não voltamos a acreditar nas velhas coisas, mas em
outras.
Chega um tempo em que
aprendemos a acreditar na vida, mesmo com a cortina lá, no canto empoeirado dos
vãos das palavras.
Mesmo que sejamos
estrangeiros sempre, há um'alíngua cujos verbos conjugamos familiarmente. Assim
a vida se renova. A cada novo membro.
Chega um tempo em que,
mesmo sabendo das impossibilidades de suprir o desamparo, ainda assim criamos
um ninho bem feito de palavras para cada novo membro.
Seja bem-vindo ao nosso
ninho Henrique! Desejo que faça peripécias com cada fiapo desse ninho, que o
destroce e que você aprenda a voar, e a se reinventar sempre, criando outros
ninhos, quantos forem necessários.
Isloany Machado,
26 de dezembro de 2012.