Outro dia uma pessoa riu quando eu disse que
adorava filmes infantis. Digo de novo: adoro filmes infantis! Aprendo muito com
eles, inclusive sobre psicanálise. Esses dias, assisti o último da trilogia
Madagascar: Os procurados. Para quem não assistiu nenhum dos três, vou fazer um
breve resumo. As personagens principais moram num zoológico, nada mais, nada
menos que o Central Park, em Nova York/EUA, e são: Melman (uma girafa macho,
hipocondríaca), Alex (um leão vaidoso, estrela mor do zoológico), Glória (o
hipopótamo, fêmea e graciosa, mais corajosa do que os machos) e Marty (uma
zebra macho, cujo maior desejo é sair do zoológico e conhecer a natureza).
Toda
a história começa com o aniversário de Marty que, na hora de fazer o pedido ao
cortar o bolo, pede para sair do zoológico e conhecer a natureza. Na primeira
oportunidade, literalmente cavada pelos pinguins moradores do zoológico também,
Marty, movido por seu desejo, foge. Seus amigos temem por sua segurança e vão
atrás dele. São apreendidos pela guarda local e, devidamente acomodados em
caixotes, são mandados de volta para o zoológico. Algo dá errado no caminho e
eles caem no mar. Todos sobrevivem, mas vão parar na ilha de Madagascar.
Acontece
que nenhum dos quatro conhecia a natureza antes e agora precisam lutar para
sobreviver na selva, arranjar o próprio alimento e essas coisas que os animais
selvagens fazem. De todos, o único que está feliz, muito feliz, é Marty, afinal
seu desejo estava se realizando. Os outros três estão apavorados. Alex, o único
carnívoro, tem sua civilidade/animalidade colocada em xeque. No zoológico comia
bifes que eram lançados para ele diariamente, mas agora, até seus melhores
amigos são possibilidades de comida fresca. Alex enfrenta um conflito ético em
relação à sua dieta alimentar. Ele não é um assassino, mas por outro lado,
precisa comer carne. Seus amigos tentam remediar a situação oferecendo-lhe
peixes. Depois de enfrentar muitas
dificuldades na ilha, percebem que não é isso o que querem. O desejo evanesce
quando se alcança o objeto desejado. Saem da ilha de Madagascar com um avião
trazido pelos pinguins.
No segundo, os bravos animais retornam às suas
origens. Eles “caem” de avião na África, onde encontram seus pares. Mais do que
isso, retornam literalmente às origens, conseguem ter recordações da infância e
de suas histórias familiares. Alex, por exemplo, consegue recordar-se de como
foi raptado por caçadores que o venderam e assim, descobre como se separou de
seu pai e foi parar no zoológico. No encontro com seus pares, cada um deles
deveria agora estar feliz, pois ficariam identificados com outros iguais a
eles, mas não é o que acontece.
Eles acabam ficando mimetizados
entre os outros, que são muito diferentes deles. Alex é o que mais sente a
perda da posição de destaque que ocupava no zoológico, lá ele era Rei. O que
havia se tornado? Mais um entre outros e, para piorar a situação, era um leão
com excesso de conflitos éticos que não sabia caçar, rugir para assustar de
verdade. Ele não passava de um leão dançarino, um bobo. Além de tudo, Alex
precisa se confrontar com a queda de sua posição narcísica. De Rei, ele é
reduzido a um resto, um nada. Seus amigos, sem saber como consolá-lo, fazem na
areia uma escultura reproduzindo o zoológico Central Park, mas não é a mesma
coisa. O objeto está perdido desde sempre e todo o resto será mera
representação satisfatória. Mais uma vez a decepção, pois não é isso o que
querem.
No
terceiro estão tentando a todo custo retornar para o Central Park, pois
acreditam que lá é o lugar deles, alucinam o objeto perdido. No caminho de
volta pra “casa”, passam pela França, pegam carona com o trem de um circo que
só tem animais, não tem humanos. Estão todos – os quatro mais os animais do
circo – à mercê do próprio fracasso. Este circo já foi bastante famoso, mas uma
fatalidade ocorreu com o tigre (o grande astro do circo). Vejam que os felinos
são os maiores astros da trilogia.
O Tigre atravessava argolas
incandescentes com mestria. No espetáculo, as argolas começavam grandes e iam
diminuindo até não passarem de um pequeno anel, pelo qual o tigre passava com o
louvor do público. Mas como sua ambição era grande, um dia colocou uma argola
muito pequena e besuntou-se de azeite para poder escorregar pela argolinha com
mais facilidade. Pelo excesso de azeite e por causa da argola incandescente, o
tigre teve o corpo queimado e nunca mais conseguiu superar o fracasso diante do
público. Há um conflito narcísico também com este pobre felino. Depois deste
episódio, o circo começou a perder público até quase falir.
No encontro com os quatro
viajantes, algo reacende nos circenses, talvez desejo pelo desejo do outro, não
sei, mas conseguem reerguer o circo. Todos participam dos espetáculos e o tigre
volta a fazer seu número, substituindo azeite por condicionador de cabelo.
Agora estarão os quatro satisfeitos? Não. Eles querem retornar ao zoológico, a
casa deles. Querem retornar àquele paraíso de gozo, perdido com a partida para
a natureza. Atravessam a Europa e, não me perguntem como, chegam ao Central
Park. Tudo está escuro e o lugar lhes parece bem menor do que se lembravam.
Enfim, estão em casa, felizes e satisfeitos? Não. Mais uma vez, não é isso.
Eles entram em apuros e são resgatados por seus amigos circenses, passam a viver
com eles, viajando por vários lugares. Uma vez ouvi dizer que um sujeito
desejante é um sujeito viajante, que está sempre com as malas prontas para uma
nova partida. Assim foi que aprendi com esta trilogia infantil que sempre
seremos estrangeiros em qualquer morada. É melhor que sejamos viajantes, sempre
em busca de desejar, e não de realizar o desejo, pois este, ah, este não se
realiza nunca!
Isloany Machado, 13 de outubro de
2012.
Bueníssimo Isloany, aprendi a ser viajante. A vida me ensinou!
ResponderExcluirmuuitoooo booom
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