Virei a última página do livro e
senti que esfarelava em minhas mãos depois da ventania que aquela história
causou em mim. Ventos tão fortes e devastadores que não pude deixar de me perguntar:
- Isloany, onde é que você esteve durante todo o
tempo em que não leu Cem anos de solidão? O que fez da sua vida até agora?
Disse mim.
- Eu só queria ter fugido da devastação, mas
algumas coisas são inevitáveis na vida. Ler este livro, por exemplo, é uma das coisas
indispensáveis, apesar de meus olhos terem se enchido de poeira depois do
vendaval. Afirmei comigo mesma.
- Isloany, não há justificativa plausível para o
fato de nunca tê-lo lido. Onde mesmo você estava? Por onde andou? Esbravejou
mim com os olhos vermelhos de raiva.
- Provavelmente eu estive debruçada em livros de
psicanálise tentando entender as neuroses, cujo núcleo é o romance familiar. A família
é o núcleo da neurose, você sabia? Entendi isso depois de alguns anos desfiando
e descosturando as linhas com as quais costurei minhas histórias familiares. Mas
bem que Freud dizia que um artista sempre chega antes que o psicanalista. Isso
e muitas outras coisas ficaram nítidas para comigo mesma depois de ler esta obra
prima de Gabriel García Marquez.
- Ler este livro e não falar dele é o mesmo que
nunca ter lido. Murmurou mim depois que terminei de ler.
- Eu preciso mesmo dizer? Foi o que perguntei,
ainda relutante, pois o coração estava dilacerado ao fim da história daqueles
cem anos.
- Você quer que te ajude? Mim perguntou já com os
olhos mais brandos e complacentes para comigo mesma.
- Sim, eu gostaria muito, pois sozinha não conseguiria
dizer todas as coisas que gostaria em relação a ele. Respondi.
- Façamos o seguinte: eu pergunto e você responde,
pode ser?
- Ok. Assim ficará melhor.
Mim:
Conte-nos, comigo mesma, de que se trata esta obra chamada Cem anos de solidão.
Comigo
mesma: Este livro é do escritor colombiano Gabriel García Marquez, um clássico
da literatura mundial que ganhou prêmio Nobel de literatura em 1982. Ele conta
a história de uma linhagem familiar que teve sete gerações. A origem de tudo se
deu a partir do casamento entre dois primos: José Arcádio Buendía e Úrsula
Iguarán. Úrsula não queria casar com o primo, pois achava que seus filhos
nasceriam com rabo de porco. Mesmo assim, tiveram três filhos (segunda geração):
José Arcádio (que vai embora de casa junto com uns ciganos que andavam pelo
povoado esporadicamente), Aureliano Buendía (batizado com o nome do avô
paterno, torna-se um Coronel e apoia o partido liberal) e Amaranta (uma dona de
casa que nunca quis se casar em por quem os homens literalmente morriam). Depois
de muitos anos adotaram, meio sem querer, Rebeca, que passou a ser como irmã de
Amaranta e Aureliano. Mas não de José Arcádio, que havia ido embora e, quando
volta, não reconhece Rebeca como irmã e casa-se com ela.
A terceira
geração foi composta por Arcádio (filho de José Arcádio com Pilar Ternera),
Aureliano José (filho de Aureliano também com Pilar Ternera) – ou seja, são
primos-irmãos. Além dos dois, Aureliano Buendía, o coronel, teve mais 17 filhos
com mulheres diferentes, mas eles foram todos mortos.
A quarta
geração foi composta por Remédios, a bela (que era a mulher mais bela que a
Terra já conheceu e subiu aos céus de corpo e alma, sem mácula); e os gêmeos José
Arcádio Segundo e Aureliano Segundo – todos filhos de Arcádio com Santa Sofía
de La Piedad.
A quinta
geração foi formada pelos filhos de Aureliano Segundo com Fernanda del Carpio:
Renata Remédios (uma moça que se apaixonou por um operário e o romance foi
proibido por sua mãe, Fernanda, que, ao descobrir que a filha se encontrava às
escondidas com Maurício Babilônia, manda-a para um convento, sem saber que
Remédios estava grávida); José Arcádio (mandado a Roma para se tornar Papa, mas
sai do seminário assim que chega lá. Anos depois, quando volta pra casa, só
farreia e pensa eroticamente em Amaranta, da primeira geração que cuidou dele
na infância); e Amaranta Úrsula (uma moça que vai estudar na Europa, mas seu
sonho é voltar para o vilarejo Macondo, fundado por José Arcádio Buendía, no
qual toda a sua família viveu).
A sexta
geração foi representada por Aureliano Babilônia, filho de Renata Remédios e
Maurício Babilônia. Quando sua mãe foi enviada ao convento, a família não sabia
que estava grávida e quando o menino nasceu, mandaram-no para a casa da família.
Quem o recebeu foi sua avó Fernanda, que escondeu o segredo do restante da
família e por pouco não o matou afogado para se livrar dele. Trancafiou o
menino num quarto até ser visto por seu avô, Aureliano Segundo. Tornou-se um
rapaz ensimesmado a vida toda, até que se apaixonou por Amaranta Úrsula, que
era sua tia, apesar de não saberem disso. Viveram uma paixão fulminante e
tiveram Aureliano, o representante da sétima e última geração, que nasceu com
rabo de porco.
O livro
trata de relações incestuosas que perpassam todas ou quase todas as gerações,
entre primos e entre tias e sobrinhos. E há sempre a ameaça de que alguma
criança nasça com rabo de porco. Úrsula, a matriarca, acompanha todas as gerações,
pois morre muito depois dos cem anos. Ela sabia que fazia parte de uma “família
de loucos” e impressionava-se com as repetições de seus descendentes. A certa
altura da vida, Úrsula fica cega, mas mesmo assim, não consegue deixar de ver.
Os
que carregam o nome de Arcádio são mais vigorosos e brutos, enquanto os
Aurelianos são mais pensativos e inteligentes. As mulheres despertam amores
irracionais nos homens, que literalmente morrem por elas. O patriarca da
família, José Arcádio Buendía, teve um grande amigo, Melquíades, que era cigano
e morou um tempo na casa deles. Este homem escreve nuns pergaminhos a história
dos Buendía, mas a escrita é feita em uma língua absolutamente desconhecida e
alguns Aurelianos tentam decifrar, sem saber de que se trata.
É somente
Aureliano Babilônia quem consegue decifrar o que está escrito e percebe, tarde
demais, que aquela era a história de sua família, e que ele se enamorara e
tivera um filho com sua tia (morta no parto). A criança é devorada por formigas
e ele, Aureliano Babilônia, é destruído pela ventania que carrega todo o
vilarejo de Macondo. Há uma característica que marca todos os Buendía: o olhar
solitário, a solidão. São cem anos de solidão.
Mim: Por que
esta história te chamou tanta atenção?
Comigo
Mesma: Isso tudo que contei sobre o livro não traduz nem 10% da riqueza que está contida nas
palavras, em cada um delas, escritas pelo autor. É fantástico todo o
delineamento que faz da trama familiar, das personagens paralelas que também são
fundamentais na história. Tenho medo de não conseguir expressar todas as
emoções que senti durante a leitura.
Mim: O que
isso tudo tem a ver com Psicanálise?
Comigo
Mesma: Como eu disse, a obra marca o romance familiar, as repetições, o peso
do nome, mas marca, sobretudo, a solidão e o desamparo do ser humano. Este é o verdadeiro rabo de porco que nasce em cada um dos descendentes. Há solidão
sozinha e solidão compartilhada, mas somente há solidões, na vida e na morte.
Mim: Bom,
ficamos por aqui. Obrigada pela colaboração. Você teria mais alguma coisa a
dizer para as pessoas?
Comigo
Mesma: Que não deixem de ler esta obra fantástica; que não achem este resumo
suficiente para contar esta história lindíssima de Cem anos de solidão; que
entendam que a literatura evoca lágrimas e sorrisos, evoca por vezes nó na
garganta, mas se faz indispensável, na medida que traduz a complexidade do
humano teorizado pela filosofia, pela psicanálise, e por qualquer outra que se
lance na tentativa de explicar qualquer coisa do que é demasiado humano: a
solidão. Como alguém me disse uma vez, não se permitam morrer sem ter lido este
livro.
Isloany Machado, 20 de novembro de
2012.
Oi Islo,e como o texto traz a complexidade das relações humana.bjs
ResponderExcluirVerdade Nilva, é maravilhoso!!
ExcluirGostei muito,não vou me permitir morrer sem ler esse livro,rsrsrsrsrsrsrsr!
ResponderExcluirBom dia Isloany,
ResponderExcluirCheguei até aqui por um compartilhamento que minha sobrinha também Psicologa fez de seu texto "Porque a Psicanalise" lá no face, li e cheguei até este post, onde você fala do Livro Cem Anos de Solidão. Li este livro há uns 30 anos atras, na primeira leitura, não foi muito fácil interpreta-lo, mas "apesar de..." gostei demais mesmo sem entender, por isso reli todo o livro novamente, é realmente um livro apaixonante, perde quem nunca o leu. Tenho o livro já bem velhinho guardado com muito carinho e sempre que possível, volto a ler novamente...Gostei de ter estado aqui e ler seus posts. Deixo o comentário aqui, porque nada entendo de psicologia, mas do livro como já li, ficou mais fácil comentar.
Deixo abraços com carinho
Marilene
Marilene Folhas Flores e Sutilezas