Momentos depois chegam alguns
rapazes muito animados e lhe solicitam uma corrida. Durante uma brecha na
grande algazarra que fazem os moços, Iona diz: “Esta semana... assim, perdi meu
filho!”. E o que ouve como resposta é somente: “Todos vamos morrer”. Depois de
alguns minutos um dos rapazes lhe pergunta se é casado e ele responde: “Agora,
só tenho uma mulher, a terra fria... O túmulo, quer dizer!... Meu filho morreu,
e eu continuo vivo... Coisa esquisita, a morte errou de porta... Em vez de vir
me buscar, foi procurar o filho...”, e volta-se novamente para contar como
morreu o filho, mas chegavam ao destino. Ele fica então sozinho, “torce o corpo
e entrega-se à angústia... Considera já inútìl dirigir-se às pessoas. Mas,
decorridos menos de cinco minutos, endireita-se, sacode a cabeça, como se
houvesse sentido uma dor aguda e puxa as rédeas...”.
Numa terceira vez, tenta
contar a um rapaz também cocheiro e diz: “Pois é, irmão, e eu perdi um filho...
Está ouvindo? Foi esta semana, no hospital... Que coisa!”. Tenta olhar e notar
o efeito causado por suas palavras no rapaz, mas “não vê nada. O jovem se
cobriu até a cabeça e já está dormindo.” Iona precisa falar, já estava
completando uma semana que seu filho morrera e ele ainda não havia conseguido
contar direito a ninguém. O narrador diz: “É preciso falar com método,
lentamente...É preciso contar como o filho adoeceu, como padeceu, o que disse
antes de morrer e como morreu... É preciso descrever o enterro e a ida ao
hospital, para buscar a roupa do defunto. [...] O ouvinte deve soltar exclamações,
suspirar, lamentar...”. Ao fim, Iona Potapov conta a história de como perdeu o
filho, à sua égua, que “vai mastigando, escuta e sopra na mão de seu amo”.
Mas porque contei sobre a angústia de Iona? Como
disse no início, estava às voltas com este texto quando entrei no ônibus e
sentei. Em seguida uma mulher pediu licença e sentou-se ao meu lado. Ela
carregava uma criança no colo, era uma menina. Então foi logo dizendo, sem me
olhar, que saíra fugida do posto de saúde, pois a médica queria internar sua
filha. Não podia ficar com a filha internada porque tinha mais dois filhos
pequenos e não tinha com quem deixar, pois seu marido trabalhava à noite e sua
mãe, bem, sua mãe era bipolar. Quase chorava enquanto dizia tudo isso, e percebi
que estava angustiada.
Disse que devia ter tido só um
filho, para poder cuidar bem. Perguntou se eu tinha filhos, disse que não. Me
viu com o texto na mão e supôs que eu era estudante. “Você faz o quê?”. Faço
mestrado. “Quantos anos tem?”. Vinte e sete, e você? “Aí, tá vendo? Você só é
um ano mais velha do que eu. Era pra eu estar pelo menos formada!”. Tentei
acalmá-la dizendo que ainda era muito jovem e que poderia estudar quando seus filhos
estivessem mais independentes. Nem sei se ela ouviu, mas, assim como Iona
Potapov, ela queria falar. Aliás, mais do que falar, ela queria ser ouvida por
alguém que soltasse exclamações, que se indignasse, protestasse. Como estava
íntima com Iona, fiz isso por essa moça. Compartilhei sua indignação.
Não sei se isso aliviou sua
angústia, pois a filha estava doente, mas aliviei a angústia que senti ao ler o
texto de Tchekhov, pelo pobre Iona, que não conseguiu se fazer ouvir senão pela
sua “eguinha”, que nada lhe respondeu. Naquele momento eu me teletransportei
para a Rússia e encontrei Iona. Imaginei que estava em seu coche e o ouvia
calmamente enquanto ele guiava a condução e falava de seu filho, de como o
havia perdido. Sem entrar no mérito da questão da profissão de psicólogo ou
psicanalista, que daí já se trata de uma escuta técnica, fiquei tocada com a
possibilidade de poder ouvir a angústia de alguém que nem sabia que eu era
psicóloga. Vou terminar este texto com uma citação de Rubem Alves que fala da
importância da escuta:
“O que as
pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranquila. Em
silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: “Se eu fosse você”. A gente ama não
é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita
quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor
começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi
prestando atenção.” Rubem Alves.
Se “é na escuta que o amor começa
e na não escuta que ele termina”, poderia dizer que é também na escuta que
algumas angústias são aliviadas e na não escuta que doem mais.
Isloany Machado, 15 de agosto de
2012.
lindo texto filha esse assunto e muito serio alguem q escute.
ResponderExcluirHoje é um daqueles dias em que a escuta é tudo que preciso. Yona tinha sua "eguinha", no mundo moderno temos a NET. Na qual as vezes lemos ou escrevemos algo que seja capaz de suavizar nossas angústias. Foi o que me ocorreu nesse momento. Ao ler o artigo, me senti identificada, como se você do outro lado pudesse me ouvir. E me sinto gratificada por isso. Obrigada por você existir e poder comportilhar conosco algo tão especial. A sua escuta. As vezes é bom nos sentirmos do outro lado. Um grande abraço...
ResponderExcluirPara mim é muito gratificante ler suas palavras Therezinha! Obrigada. Isso é algo que me motiva a continuar escrevendo. Abraço.
ExcluirAdorei o texto, Isloany! A escuta é sem dúvida algo que nos alivia a alma, saber que há outro ser que nos ouve com atenção quando falamos sobre alguma angústia ela parece diminuir um pouco, há vezes em que mudamos até nossa visão sobre o que falamos. :)
ResponderExcluirParabéns, tô aqui escarafunchando seu blog, bjos!
Fique à vontade Meire! =D
ExcluirVRAAAAAAAAA!Tô de queixo caído!!!! Parabéns e Obrigada!!!
ResponderExcluirObrigada Olívia!!!
ExcluirAdorei este texto! De fato é da escuta que vem o alívio, aonde as angústias são espalhadas para aos poucos partirem como as folhas ao vento! Mas como é tão mais fácil falar não é? Dar conselhos, acreditar que em nossas palavras estão o descanço de alguém! A pouco li seu texto sobre a técnica psicanalítica em que falava sobre intervenções, pois é, muitas vezes o silêncio é a melhor delas!
ResponderExcluirJanaína, obrigada pelo comentário. COncordo com vc, às vezes o silêncio diz mais.
ExcluirAbraço