Senhor Pereira pegou o jornal depois que todos na
casa já dormiam. Vasculhou as páginas de classificados rapidamente a avistou um
anúncio que dizia:
PsiVâniaAmar –
atendo adolescentes, adultos e casais. Tel: 9988-XXXX.
|
- Alô?
- Oi?! Eu gostaria de saber quanto é que você cobra
para atender um adulto com animação de adolescente?
- Como é o caso? Adulto ou adolescente? Não entendi.
- Meu bem – disse com a voz melosa – é quase
adolescente.
- Prefiro marcar um horário para fazermos uma
entrevista inicial. Depois combinamos o valor.
- Nossa minha querida, quanta cerimônia. Você não
pode dizer o valor?
- Eu prefiro avaliar primeiro, pois não sei a
princípio se vou precisar de algum material extra.
- Ah, você gosta de brinquedinhos?
- Como é? Mas não disse que era adolescente? O
máximo que usarei serão alguns jogos.
- Está bem, minha flor. O que você quiser. Adoro
joguinhos também.
- Gostaria de saber quem foi que me indicou? Como
ficou sabendo do meu trabalho?
- Foi pelo anúncio do jornal. E então, me diga aí
seu endereço.
- Ah, sim. É rua Felizberto Miranda, 1980, Jardim
Madalena. Tem preferência por algum horário?
- Pode ser amanhã às 23h?
- Às onze da noite? Mas que coisa é essa? Eu atendo
em horário comercial!
- Logo se vê que é uma profissional discreta. Então
me diga que horário tem disponível na parte da manhã?
- Você está com sorte, tenho uma vaga às 10h.
- Então nos vemos amanhã. Me aguarde. Disse ele,
bem faceiro por ter escolhido uma profissional experiente, quase sem horário
disponível. Isso significava, segundo seu julgamento, que teria bons momentos
de prazer.
Dormiu
feliz e na expectativa pelo dia seguinte. Acordou cedo para ter tempo
suficiente de tomar banho demoradamente, fazer a barba e perfumar-se. Apanhou o
carro e foi em direção ao endereço que havia anotado. Já estava em polvorosa. Começou
a ficar impaciente, pois não estava encontrando o local. Resolveu ligar.
- Alô?
- Oi, minha linda. Eu não estou encontrando seu
endereço. Tem algum ponto de referência?
- Ah, sim. Me desculpe por não ter falado ontem.
Fica meio escondido mesmo.
- É melhor assim, prefiro que não me vejam.
- Na esquina há uma farmácia com a fachada verde
chamada Vitalis.
- Ah, já passei por ela. Vou retornar e em alguns
instantes estou aí. Um beijo.
- (!).
Foi
acompanhando a numeração da rua: 1750, 1892, 1899, 1900, 1950, 1980. Deu um
risinho de canto de boca ao encontrar. Era uma casa bastante discreta e ele achou
até pomposa. Devia ser uma profissional de luxo. Tocou o interfone e, depois de
alguns segundos, viu o cliente anterior saindo por uma porta lateral. A porta
abriu automaticamente, ele entrou. Deu de cara com uma mulher de uns 35 anos -
era mais velha do que ele imaginara – discretamente vestida com um tailleur cáqui, o que ele não achou nem
um pouco atrativo. Havia fantasiado algo completamente diferente.
- O senhor é o pai?
- Pai?
- Sim, me desculpe, mas eu havia entendido que o
atendimento era para um adolescente. Devo ter entendido errado. Entre. Pode
sentar-se naquela poltrona.
Ele
deu uma olhada panorâmica pela sala e achou que não parecia um ambiente
adequado para os serviços prestados pela moça. Resolveu sentar-se, pode ser que
ela tivesse algum fetiche diferente.
- Então – disse ela – o que o motivou a procurar o
atendimento?
- Sabe o que é, linda. É que eu tenho muito apetite
sexual.
- Mas acredita ser isso uma questão para o senhor?
Isso atrapalha muito a sua vida?
Ele
estava achando a conversa meio estranha, principalmente depois que ela colocou
uns óculos de aro escuro. Olhou para o lado e avistou uma coleção de livros com
a capa preta e precisou apertar os olhos para ler “Sigmund Freud”. Ele sabia
que esse tal de Freud falava de sexualidade. Empolgou-se ao pensar que a moça
era uma especialista na coisa: “mas que sorte eu tive em ler este anúncio!”.
Mas já estava ficando impaciente com a distância entre eles. Levantou-se e
aproximou-se dela.
- O senhor está com algum problema?? Exclamou ela,
ao perceber o olhar luxurioso dele.
- Acho que você pode resolver todos os meus
problemas, minha delícia!
- O que foi que o senhor disse?! Ponha-se já para
fora daqui!!! Agora!!! Berrou ela.
Ele
pensou em insistir, mas rapidamente desistiu, pois aquela mulher estava lhe
parecendo muito excêntrica. Além do mais, pelo chiquê do lugar, deveria cobrar
uma fortuna por um programa. Saiu meio estabanado porta afora e não reparou na
pequena e discreta placa no muro cujo letreiro dizia:
Ψ Psicanalista Vânia Amaral
|
Foi embora praguejando a perda de tempo. Enquanto isso, a psicanalista lá dentro do consultório ainda estava indignada com a atitude do paciente: “Mas que transferência erótica! E assim na primeira sessão?”. Sacou um dos livros de capa preta e abriu no texto “O amor de transferência”.
Isloany Machado, 06 de agosto de 2012.