Outro
dia estava conversando com meu marido sobre a psicanálise e ele me perguntou
alguma coisa sobre a teoria que não me lembro exatamente o que era, mas, diante
da minha resposta ele disse: “Por que é que vocês psicanalistas sempre falam
por enigmas? Nunca respondem o que a gente pergunta! Parecem uma sociedade
secreta! Humpf! Vocês parecem o Mestre dos Magos da caverna do dragão, falam
enigmas e depois desaparecem!”. Com certa dose de imaginação fértil e com uma
pitada de tempo livre, coloquei-me a pensar sobre o que ele havia dito e
conclui que tinha razão. Explico o porquê fazendo um paralelo entre a resposta
do analista e a do mestre dos magos.
Antes abro parêntesis para dizer que
o mestre dos magos é um personagem do desenho “Caverna do Dragão” cujo enredo
é, em linhas gerais, o seguinte: Cinco adolescentes e uma criança estão em um
parque de diversões e resolvem entrar num brinquedo chamado “caverna do
dragão”. Esse brinquedo é uma espécie de passeio por um submundo cheio de
fantasmas e monstros, o detalhe é que esses seis personagens ficam perdidos
nesse submundo e não conseguem voltar pra casa. Cada episódio é uma nova
tentativa de voltar e, nesse percurso, precisam enfrentar os monstros,
matá-los. A única pessoa que os “auxilia” é o mestre dos magos que,
supostamente saberia o caminho de volta, mas ele apenas aparece em alguns
momentos, não como um guia, mas como um portador de enigmas a serem decifrados
pelos adolescentes. Quando mais precisam, o mestre evanesce, some. A busca pelo
caminho de volta é incessante, mas eles nunca conseguem encontrá-lo e dão
voltas e mais voltas nesse lugar perdido.
Voltamos ao paralelo entre a análise
e a caverna do dragão. As pessoas que chegam à análise nos perguntam: “O que eu
tenho? Quanto tempo isso vai demorar? O que devo fazer?”, assim, é como se
dissessem: “Mostre-nos o caminho, mestre dos magos”. Às vezes o mestre
respondia que havia encontrado um caminho que os levaria de volta pra casa, mas
não os guiava até lá, pelo contrário, fazia enigmas: “Eu localizei uma nave
capaz de levar vocês para casa. A resposta está com as crianças perdidas”. Vejam,
“a resposta está com as crianças perdidas”, o que poderia ser mais parecido com
o que sabemos em psicanálise sobre a criança perdida? Em outras palavras, sobre
aquilo que é da sexualidade infantil e que sofre ação do recalque, causando-nos
desconhecimento, estranhamento. Por isso, o analista interpreta com enigmas,
para que o analisante possa decifrar seu próprio inconsciente. A resposta não
está com o analista/mestre dos magos, mas sim naquele saber que não se sabe: o
inconsciente. Para Lacan, “A interpretação – aqueles que a usam se dão conta –
é com frequência estabelecida por um enigma. Enigma colhido, tanto quanto
possível, na trama do discurso do psicanalisante, e que você, o intérprete, de
modo algum pode completar por si mesmo.” (LACAN, 1992, p. 38).
Assim, uma interpretação por
enigmas, ou que aponte para a raiz do desejo do analisante, coloca o analista
no lugar de objeto a. Para Lacan, “o analista, se faz de causa do desejo do
analisante” e em seguida pergunta: “O que quer dizer essa coisa estranha?”,
responde dizendo que “o próprio analista tem que representar aqui, de algum
modo, o efeito de rechaço do discurso, ou seja, o objeto a.” (1992, p. 45). O analista/mestre dos magos deve, em seu
trabalho, representar nada mais que o lugar de rechaço do discurso: o objeto a que seja causa de desejo do analisante
para que este possa encontrar o caminho de um desejo inédito.
Mas
é claro que isso não é algo tranquilo em um processo analítico. Não raras vezes
os analisantes se angustiam e, tal como o personagem Éric – o histérico que
passa todos os episódios a reclamar e apontar para a falta do mestre dos magos
– dizem: “Ora, já vem ele com essas histórias de novo!”. Éric se exaspera com
os enigmas do mestre dos magos, bem como com seus sumiços. Assim é com o
analista: “Por que você nunca responde o que eu pergunto?”, “Me diga, o que eu
devo fazer?”, “Eu não suporto os seus silêncios”. O sumiço do mestre dos magos
poderia estar em paralelo, desta forma, com o silêncio do analista ou também
com o corte de sessão, momento em que o sentido evanesce. Assim, nem o analista
nem o mestre dos magos (apesar do título de mestre) encarnam o discurso da
mestria, ou seja, não ocupam o lugar de um saber absoluto. Enquanto os
adolescentes acreditavam que ele sabia o caminho de volta pra casa, suponho que
ele não soubesse de nada.
No desenho, até hoje há
controvérsias quanto ao último episódio, se eles chegaram ou não ao seu
objetivo de voltar pra casa. Em psicanálise, voltar pra casa é apenas uma parte
do processo. O mais importante é que, ao dar voltas e mais voltas para
encontrar O caminho, se descubra que ele não existe, o que se encontra é a
busca constante, isso pode apontar para a construção de UM novo caminho. Não se
volta pra casa, porque não há mais uma casa, pois algo se perdeu para sempre. Há
que se construir uma nova morada. E este poderia ser o último episódio da
caverna do dragão. Mas “lembrem-se: às vezes, olhando para trás, vocês podem
ver mais claramente o que está adiante”. (MAGOS, 1994).
Campo
Grande, 30 de abril de 2012.
Bibliografia Consultada:
LACAN, Jacques. O Seminário, livro
17: O Avesso da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1992.
MAGOS, Mestre dos. Caverna do
Dragão. 1994.
muito boa essa sua colocação
ResponderExcluirObrigada Valdeci. Seja bem-vindo! ;)
ExcluirParabéns pelo texto, muito rico e interessante!
ResponderExcluirCURTI!!!
ResponderExcluirMuito bom texto! parabens!
ResponderExcluirDe uma sensibilidade e rigor teórico incrível. Parabéns!
ResponderExcluirUau!!!! Excelente comparação! Ótimo texto!
ResponderExcluirFoi a melhor explicação que tive até agora! Sensacional a ligação entre os dois, vc é OTEMAAA
ResponderExcluirÓtima discussão! Parabéns
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