Querida Clarice,
Outro dia, lendo o seu “Água
Viva”, deparei-me com seu questionamento: “Quero como poder pegar com a mão a
palavra. A palavra é objeto?”. Sabe Clarice, fiquei pensando nesta pergunta num
dia em que perdi alguém que amava, ele se foi por escolha, e inevitavelmente as
pessoas se colocam a pensar no porquê de uma escolha assim. Então, pensando
nele e nas cenas de nossa infância, eu me lembrei de que foi com ele que
aprendi a gostar de comer sopa na tigela, mesmo em dias quentes. E aí, pensando
se a palavra é objeto, eu quero te dizer que eu acredito que sim, são objetos.
Sabe por quê? Porque elas têm peso, medida, cor, densidade, ainda que
nós não saibamos como fazer para medir isso. As palavras ditas saem da nossa
boca e nunca sabemos qual será o curso delas, pois são ondas, que podem cair em
qualquer terreno: fértil, infértil, não sabemos. Acontece que há uma diferença
radical entre o sentido da palavra que sai da boca e o da que chega a seu
destino. Há um equívoco, e é neste equívoco que se funda um sujeito. Enquanto
escrevia esta última frase pensei: “é neste equívoco que se afunda um sujeito”. Veja Clarice, como
são inúmeras as possibilidades que as palavras nos dão.
Você mesma diz saber que há um desencontro leve entre as coisas, que elas quase se chocam, mas que nós quase nos entendemos nesse leve desencontro, nesse quase que é a única forma de suportar a vida em cheio, pois um encontro brusco face a face com ela nos assustaria, e que nós somos assim, “de soslaio”, para não comprometer o que pressentimos de infinitamente outro nessa vida. Me emocionei ao ler essa passagem porque me fez pensar no que a psicanálise (meu ofício) diz sobre a importância das palavras para que o sujeito possa se proteger do encontro com o real. As palavras são os objetos que nos protegem do encontro com o inevitável! Ah, Clarice, eu gostaria de poder encher/rechear cada espacinho da vida dessa pessoa que te falei com muitas palavras, para que ele não tivesse nem de longe esse encontro com o real dessa vida.
Você mesma diz saber que há um desencontro leve entre as coisas, que elas quase se chocam, mas que nós quase nos entendemos nesse leve desencontro, nesse quase que é a única forma de suportar a vida em cheio, pois um encontro brusco face a face com ela nos assustaria, e que nós somos assim, “de soslaio”, para não comprometer o que pressentimos de infinitamente outro nessa vida. Me emocionei ao ler essa passagem porque me fez pensar no que a psicanálise (meu ofício) diz sobre a importância das palavras para que o sujeito possa se proteger do encontro com o real. As palavras são os objetos que nos protegem do encontro com o inevitável! Ah, Clarice, eu gostaria de poder encher/rechear cada espacinho da vida dessa pessoa que te falei com muitas palavras, para que ele não tivesse nem de longe esse encontro com o real dessa vida.
Palavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavraspalavras.
Mas infelizmente não é
possível que assim seja. É preciso suportar esse pequeno espaço que há
necessariamente entre uma e outra
palavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavraØpalavra.
Eu não poderia fazer
isso, porque não sei quais as palavras que já estavam lá: pesadas, leves,
coloridas, cinzas, doces, salgadas, amargas, ferinas. Vê Clarice, as palavras
são mesmo coisas que são adjetivadas. Também não poderia fazer isso porque com
esse Ø cada um precisa se haver. E sabe Clarice, eu tenho visto isso acontecer
com algumas pessoas e é tão belo. Claro que ninguém caminha ileso de palavra a
outra, sem dor. Sim, isso não é possível de ser feito sem certa dor, mas ao
caminhar de uma a uma, com o tempo, advém uma leveza que nos faz saltar. Sabe,
há uns anos eu tenho pensado nesse Ø e tenho recheado para mim mesma, de modo
que é possível construir uma cadeia assim:
Palavradesejopalavrasonhopalavravidapalavravontadedevoarpalavracontentamentopalavracompartilharpalavraamorpalavraestudarpalavralerpalavraverfilmespalavraviajarpalavr
a
a
Veja que engraçado
Clarice, eu escrevia a cadeia e tentei formatar o “a” que sobrou na última
linha, alinhei à esquerda, justifiquei, alinhei à direita, mas ele insistiu em
ficar sobrando. E entendi agora mesmo que tem um “a” que sempre sobra e não há
o que fazer quanto a isso. Ciente disso, posso palavrear minha dor. E pra não
me tornar cansativa, vou terminar dizendo que, se alguém me perguntar onde ele
está agora eu poderei dizer: agora ele está em algum lugar das minhas
lembranças, será palavra aí junto da cadeia de palavras que me compõem: sopa,
tigela, infância. Não poderia também terminar essa carta sem agradecê-la pela
pergunta, que me fez pensar e aliviar minha dor.
Campo Grande, 07 de fevereiro de 2012.
Linda! Essa palavra se deixou ver quando terminei de ler sua carta. É pra você então. Linda. Abraços . Dilma
ResponderExcluirDilma, obrigada.
ExcluirAbraços!
Isloany essa mensagem me fez sentir o espaço que estava faltando dentro de mim,que eu não descobria e acabei descobrindo, enfim falta muita coisa dentro de mim a ser realizado ainda ,,um grande abraço Sergio Grava (tentando descobrir o que as pessoas senti em palavras a minha descoberta com seu texto)
ResponderExcluirObrigada pelo comentário Sergio!! Fico feliz que tenha feito sentido pra você. Grande Abraço
Excluir